31.12.08

Ofertas de fim de ano!

Manhã do dia 31 de dezembro. Manhã já cansada. Amanhã, manhã não será o período que vai do alvorecer até o meio-dia, será um novo começo. Será o começo de uma época de realizações. É a esperança.

2008 poderia ser melhor. Como também 2007. De 2003, 2004, 2005 e 2006 tenho lembraças vagas e algumas datas importantes, mas sei que faltou algo. Mais para trás, tem alguma coisinha boa ou outra que não esqueço mais. Coisas como o primeiro beijo, passar no vestibular, por o pé no mar pela primeria vez. É o que tenho de herança, o pouco que me contenta. Não posso vivê-las novamente. Meu coração nunca mais vai acelerar-se como há 10 ou mais anos. Lembranças servem para serem lembradas, e só. A vida, em resumo, poderia ter sido mais, ou sem resumo, é apenas isso mesmo. Não sei por que uma mudança de dia poderia mudar esse estado de coisas ou aliviar a angústia.

Espero para esse ano de 2009 menos promessas. Menos esperança. Menos universais. Menos seres imaginários. Menos tempo na frente do computador. Menos tempo escrevendo. Menos idealizações. Menos sonhos. Menos grandes e impossíveis amores. Menos amanhãs. Mas, mais ação, vida e manhãs.

28.12.08

Fim de ano

A satisfação que tive foi a de cumprir os trabalhos que me destinei. Feitos como eu quis, quase todos. Mas foram feitos, e é isso o que importa. Vivo melhor por isso.

Ano de aprendizagens. Finalmente sei como se faz para perder um grande amor. E a reboque aprendi como não se render a um novo grande amor que não é o grande amor que quero que seja meu grande amor. Vive-se menos por isso, mas vivo melhor. Poupo meu coração.

Ano de franquezas. Fiz o que devia ter feito há muito, falei verdades e enfrentei pessoas. Sou mais mal visto hoje por isso, mas nunca dormir tão bem três dias depois de cada enfrentamento com os fatos.

Viajei bastante. Sempre a trabalho. Góias, Rio e por boa parte de Minas. Minas são muitas e pelo que vi e provei, tenho certeza que estão por todo o nosso portentoso país, obra por terminar, mas já magnífico: negras, louras, morenas, índias, misturadas.

Escrevi bastante e fiz um novo layout para o blog.

Consolidei novas e velhas amizades.

Vou escrever novamente antes do ano acabar.

24.12.08

Natal

O guardador de rebanhos - VIII

[213]


Num meio dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia
Vi Jesus Cristo descer à terra,
Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.


Tinha fugido do céu,
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras,
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem


E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.


Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!


Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três,
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz


E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz no braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras nos burros,
Rouba as frutas dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.


A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas,
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.


Diz-me muito mal de Deus,
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia,
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.


Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou -
"Se é que as criou, do que duvido" -
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
mas os seres não cantam nada,
se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres".
E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.
..........................................................................

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.
E a criança tão humana que é divina
É esta minha quotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.


A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.


A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.
Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos a dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.


Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo o universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.


Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade


Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer aos olhos os muros caiados.
Depois ele adormece e eu deito-o
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.


Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos,
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.
.................................................................................

Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu no colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.
....................................................................................

Esta é a história do meu Menino Jesus,
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?


Alberto Caeiro 08-03-1914

22.12.08

A utilidade pode fundamentar o esquecimento dela mesma?

Eu sabia que tinha algo escrito a esse respeito em algum lugar.

Qual a justificativa de perseguir algum projeto em especial? Um projeto deve ter, segundo alguns, relevância teórica e não sei bem o que é isso. Para alguns o critério é pragmático, o que é, servi para algo. Para outro deve ser uma justificativa existencial ou sirva, antes de tudo, para quem o faz. Eu, como cientista social, surgi e guiei-me primeiramente pelo segundo critério, motivo pelo qual ingressei nas ciências sociais. Era óbvio! Uma ciência deste tipo daria as respostas para os dilemas de nosso país e mundo. Estas respostas eram necessárias e transcendiam a satisfação e prestígio individuais, sendo antes um dever. O cientista social era um indivíduo que havia escolhido contribuir para um bem maior, a sociedade, da mesma forma que os engenheiros, médicos, operários, lixeiros fazem também a sua parte – se bem que, se todos nós cientistas sociais pararmos com nossos trabalhos não será nada comparado ao caos causado por um mês de greve dos lixeiros de qualquer cidade. A despeito disso ser verdade ou não, a despeito dos que acreditam que as ciências do social não podem dar respostas suficientes a prestarem contas a todo esforço já feito dentro das suas extensas fronteiras por uma massa de homens e mulheres, afirmo que minha crença se mantém e que além de me manter com os pés firmes no segundo critério, como está claro, não pretendo me desvencilhar do último critério, justo o que poucos de nós admitem. Sobre o primeiro critério, penso que a justificativa maior para que ele seja a justificativa que deve nortear qualquer trabalho acadêmico seja evitar que não andemos em círculos. Ter conhecimento da bibliografia que discute seus problemas teóricos é o mínimo que se espera para um projeto que traga algo a mais e resolva coisas que outros - muitos outros em quase todas as situações -, não deram conta de dar respostas convincentes ou que não sejam mais válidas para hoje. Não irei citar autores ainda; temos muito espaço para isso, certamente escreverei muito sobre isso. Os três pontos colocados, brevemente e porcamente, já dão o que preciso para lançar a pergunta que faço e que cientistas sociais não fazem muito para si: o que espero das ciências sociais e o que considero que elas sejam, pelo menos o que seja o meu campo especifico dentro das inúmeras frentes de estudo, quanto irá determinar em meu trabalho? E mais, e fundamentalmente, por que sigo essa orientação? A resposta que espero de cada um é a mesma que espero de mim: que eu tenha a partir dessa reflexão clareza do que sou e faço. Não espero nada politicamente correto e retórico.

Irei tentar me pautar daqui em diante pelo que não espero, pela clareza e sobriedade.

14.12.08

Sobre ser útil ou sobre a utilidade

Vou dar início a uma discussão que não sei de onde vem.
Como início, vou começar pela própria origem e significados.

do Lat. utile

adj. 2 gén.,
que serve para alguma coisa;
que pode ter algum uso ou serventia;
proveitoso;
vantajoso;
prestável;
determinado por lei de trabalho (dia);

s. m.,
utilidade;
aquilo que é útil.

juntar o - ao agradável:
aumentar um benefício com outro.

11.12.08

Atualizar a vida

Um cara que nunca considerei muito me disse hoje: "pense que o seu trabalho irá ajudar o maior número possível de pessoas e a entrevista irá ser perfeita". Engraçado, era o que eu pensava há seis anos atrás. Por que isso hoje me soa fantástico? Era algo dado para mim querer ser útil. Era uma obrigação ser útil. Era o fim que tinha posto para minha vida, ser útil. Me choca saber que mudei tão depressa. Troquei por tão pouco meu valor que julgava me definir e me distinguir. Em troca, recebi um vazio.

Meu amigo sugeriu que eu atualizasse esse blog. "Sim, ele será atualizado sempre." Aqui entrará só o que e quem me faz bem.

2.12.08

Bem, passou por mim de mãos dadas. Do banco lhe observei subi a escada e sumir. No banco permaneci imóvel. Fui para casa. Existe uma hora que escrever é difícil. Quando não há contraste entre eu e mundo e qualquer palavra sou eu. Esforço-me para não dizer seu nome. E me esforço mais ainda para fingir que não me importo. Essa poesia de tarde, sob este sol, esta montanha de coisas para arrumar, esta pilha de papeis, estes livros insuportáveis, estas teses, você que não me deixa seguir. Ainda penso em você todos os dias. Sei que não me procurará. Sei que não irei te procurar. Sei que é um caso perdido.

Vou tentar dormir neste resto de tarde. Quem sabe sonhar.

26.11.08

Cabe no meu blog, sin!

ME PEGO PENSANDO COMO

Como ela vem. Como está sendo o seu banho exatamente agora. Como ela ta cheirosa, mas que sue um tiquinho no camiño para dosar na conta, nossa! Como ela se olha no espelho na hora de se trocar. Como. Como ela fez o barulhinho do elástico da calcinha, pleft, a mais linda onomatopéias das moças. E nas vitrines da rua, como será aquela rápida mirada, extrato para simples conferência demasiadamente feminina. Como ela brigou com o cabelo hoje, porque em alguns dias os cabelos teimam em desobedecer às mulheres, sejam eles como forem. Como ela encarou o armário. Como enfiou a colher no papaia logo cedo antes de todas as acontecências. Como ela blasfemou contra o universo. Como ela disse “ai," ao teléfono, "mãe, num se preocupa, eu já estou grandinha”. Como os homens a olharam no percurso, que os homens do andaime não assobiem um “gostosa” hiperbólico, sob pena de ela se achar cheinha deveras, mas que assobiem alguma coisa, que não pequem por omissões – ah, não, são homens de verdade, não trabalham com elipses. Como ela deu aquela ajeitadinha nos peitos, agora já recuando para o começo das ações, o espelho. Como ela roçou um lábio no outro para corrigir o batom e dosar na maldade. Como ela decidiu por sandálias e não por sapatos ou tênis. Como ela pôs o rosto na janela para ouvir o homem do tempo. Como ela deu aquele saltinho na rua de moça feliz por hoje. Como ela achou que o celular tocava dentro da bolsa só porque eu pensava nela e não era nada pouco.

Xico Sá

22.11.08

Insustentável e cerne

Nesta dada situação, coisas insustentáveis perdem sentido e se tornam perfumaria. Coisas dadas tornam-se incertas e se revelam o cerne da minha vida. Essa descoberta pouco resolve, o cerne e o insustentável não estão sujeitos à minha vontade e braços. Tudo não passa de brincar de apontar. Tudo é uma grande brincadeira.

17.11.08

Veja o dito do rei.

Daqui em diante o tempo de semear e de colher, o frio e calor, o verão e o inverno, o dia e a noite não cessarão enquanto a terra existir. Dito por um rei e citado por um filósofo, a alternância de estados é um decreto divino que desde Noé a todos curva. Veja como é indubitável quando te odeio ou te amo. Semana passada estava à sua procura e, hoje, bastaria-me apenas lê-la.

Estou no mundo como meu coração está em meu corpo. Mais ou menos assim é a frase e completamente assim somos. Quando estamos no mesmo ambiente não há cálculo. Distanciamento só em tese. Se há, escolhemos a pior das alternativas, a melhor para se arrepender.

Vou aproveitar mais as minhas palavras para além daqui.

7.11.08

procurei algo pra o fim da noite, após o trabalho. queria algo belo. porque preciso de beleza. encontrei essa música.

There is a house built out of stone
Wooden floors, walls and window sills
Tables and chairs worn by all of the dust
This is a place where I don't feel alone
This is a place where I feel at home.

Out in the garden where we planted the seeds
There is a tree as old as me
Branches were sewn by the color of green
Ground had arose and passed it's knees

By the cracks of the skin I climbed to the top
I climbed the tree to see the world
When the gusts came around to blow me down
I held on as tightly as you held onto me
I held on as tightly as you held onto me......

Cause, I built a home
for you
for me

Until it disappeared
from me
from you

And now, it's time to leave and turn to dust........

essa música é como a série de acasos que carregam a minha vida nos últimos anos. uma série de belas coincidências. inúmeras coincidências, um homem só.

não lhe dou razão por ter me negado sua beleza. por quê?. ainda preciso dela.

4.11.08

Para que serve a terça-feira? Para acabar.

A terça-feira acabará entre trovoadas, insônias e solidões e nossas lembranças.

A quarta virá bem cedo amanhã. Seis e meia, como gosto. Com o tempo nublado e frio. Haverá algo novo para ler em minha caixa.

3.11.08

Vou me esforçar para escrever o que quer ler. Quanto a forma tudo bem. Já sei que não é difícil escrever o que se quer dizer se me preocupo em dizer apenas. Quanto ao conteúdo, pode-se assustar os mais habituados à hipocrisia e dissimulação e ser chamado cínico. Mas, por que vir e querer outra coisa que não a fala sincera? Superfetação não é do gênero de ninguém que espera o que realmente importa e alimenta sua espera.

Bem, aqui estou. É minha virtude. Sou virtuoso, quem lê sabe. Escrevo tão bem que isso me traz problemas regularmente. Nada que me tire o brilho e o prazer. Acostuma-se. Amaldiçoado por alguns e amado por outros sou, por dar a cada um deles o que são. O que todos querem de mim é o que os que estão à sua volta não vêem. Como sou provocado... Quanta falta de atenção há no mundo e quanto trabalho para mim. Meu olhar é capaz de ver dignidade nos que estão à sarjeta, e beleza no que ninguém mais quer.

Um terceiro parágrafo é necessário. Um terceiro exemplo de virtude deve ser ofertado.

Carcass - Keep on rotting in the free world

29.10.08

Este é o post 300.

Nada aqui é por acaso.

Esta noite tá mal contada.

Para você, Joãozinho, sempre há uma musa, como sempre há um objeto para toda intenção. Se ela existe, me ama ou já se foi, não faz diferença. O que importa é..., bem, passar o tempo - sem apelar para vulgaridades, vontade de transcendência ou propósito de felicidade. E escrever é sempre bom.

Para mim, Luciano Mattar, e esse é todo o nome que tenho, também pensava que era mais de dois nomes e sempre perguntava para meu pai onde o outro estava escondido. Bem, ele disse que dois já dava para tudo que eu quisesse na vida. Hoje, se ele estivesse aqui falaria que um já era suficiente porque nunca precisei do segundo para chegar onde estou. Ora tenho um blog com endereço próprio e bons leitores, como Anderson Xavier. Pouco, sim, claro, mas se passa o tempo, bem.

Para você, que hoje não sei mais o status que possui dentre os acima, valeu a pena. Se valeu!, tudo foi por você, não todos os 300, mas quase todos. Passamos o tempo, inventando problemas, tragédias, estórias, poemas, citações de Pessoa, de filósofos, plagiando sem citar fontes, escondendo nossos nomes para os demais, ofendendo-nos, proporcionando felicidades curtissímas, acompanhando os passos e olhares de todos os que fomos. E escrevemos bem. Eu te amo.

Amanhã irá chover como sempre nos dias que chove.

28.10.08

As bandas que ditavam o ritmo.

A inocência do álcool e do fumo.

Nada desse humanismo afetado.

25.10.08

Me defina o que é direito?

Engraçado como essa palavra é perfeita por não dizer ela mesmo, é definida negativamente.

Not left!
Abro a janela para ventilar mais um fim de semana preso em casa.

O vento irá embora em algum momento.

Eu viro vento, então.

24.10.08

No início da noite diante do monitor, desolação.
Tenho o sentimento do dever cumprido. Um dever cumprido aquém.

Ninguém veio me encontrar.
E para onde eu iria?
Permaneci lá.

O missão do homem digno foi cumprida.
A que custo?
Ver que é tola a aspiração ao máximo. Contentar a esperar cada vez menos das pessoas. Aprender a ser rude. Dizer que uma noite bem dormida é algo que nos foge.

22.10.08

1. Ela permanece eternamente olhando em seus olhos dissimulando.
Dissimula sua vida já que o tempo não é como essa música no fundo e o filme de ontem. Não volta aquela terça, a juventude não é mesma.
Permanece à distância. Os olhos mais claros do que o habitual.
Não é o melhor que faz, mas há tanto medo injustificado.

2. Entreguei o último beta hoje, espero. Merece uma cerveja que não passa nessa garganta faz exatamente 12 dias. No entanto (!!!, insuportável no entanto, nesste contexto, portanto) Um celular pifado me isolou do mundo. Esse é o problema do mundo. É disso que falo.

3.

21.10.08

Parece que esta a última vez que irei escrever e que todos entenderão finalmente. Mas sei que falta ainda um pouco para isso. Só preciso de mais um pouco de massa crítica. Preciso exatamente da medida de sua percepção - espero que saiba o que significa percepção. Saber usar as mesmas palavras que todos usam como se fossem as perfeitamente correspondentes a seus tipos. Você mulher, carente, que procura 20 vezes ao dia por uma surpresa e que é incapaz de proporcionar a alguém que você diz que ama uma surpresa agradável. Tem sorte de seu único leitor ainda querer conversar com você. Este sabendo que é um perca de tempo tentar retirá-la do seu véo de ignorância ainda tenta escrever de forma que você entenda. Razão para a reiterada tentativa é chamada de condescendência. Você seria capaz de entender dessa vez? "O que eu estou fazendo?" é a pergunta correta; não faço parte disso mais. Cansei das bobagens. Cansei de ser apontado. Cansei da sua vulgaridade - ofereça ela a seu "amigos" - e não me procure quando estiver carente. Em anos, você não se esforçou para me dar uma única surpresa, apenas uma. Sou condescendente, meu problema sempre foi esse.

Há uma música que gosto e que escuto agora que diz: may angels lead you in. Nesse seu momento de insônia te desejo isso.

Se quiser me escrever, escreva - sabe meu endereço. Irei lê-la e responder. Mas antes disso, não espere nenhuma surpresa de minha parte.

11.10.08

Como é por dentro outra pessoa

Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Como que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma
Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.

Fernando Pessoa




Do poema surge coisas que não é para todos. Daqui para baixo é para uma pessoa apenas.

Ontem a vi como uma quase-desconhecida. Bela ainda é, mas como as demais.
Costumava pensar que quando acontecesse de vê-la assim eu já teria perdido o jogo. Fui forte o quanto pude.
Sempre irei lhe olhar, não posso furtar-me às lembranças
. Pelo estado de coisas que se mantem, talvez eu nem te esqueça.
Se ainda vem aqui ler-me, é mais por hábito. Não vejo nada pra além disso que seja condizente com o que me escreveu da vez que quis que eu entedesse nada podia haver. O que ganhou com isso? Se arrepende? Ainda que sim, o que os seus amigos pensariam de você junto a mim?

7.10.08

De repente surge um mundo de oportunidades igualmente perfeitas. Para onde mirar e apostar minhas fichas? Todas belamente diferentes e promessas de fabulosas vidas. Todas com belos sorrisos. No mínimo 4 são. Agora fica mais claro a falta que me faz, minha única eleita. Com você pelo menos eu sabia o que fazer. Por mais tortuoso o caminho para ti, eu o seguia.

Podia testar todas, se menos ingênuo e mais cafajeste.

6.10.08

Cálculo para viver melhor.

Vou trocar a companhia de todas pessoas à minha volta por um livro. Se o livro fizer-me mais só do que a pessoa trocada, retornarei à pessoa. Assim, espero estar em melhor situação no fim comércio.

Bem, como não irei escolher nada menor que Drummond, Dostoiévski, Rorty, Calvino, Pessoa, Guimarães Rosa, Xico Sá, terei muitos livros e sobrará poucas pessoas à minha volta, algumas que livro algum substitui.

No final, estarei melhor acompanhado.

4.10.08

Para hoje temos:

1. que a não-linearidade não é só poesia, embora possa ser matéria para poesia também. Complex Adaptative Systems é uma agenda aberta e de crescente produção teórica. mas como tudo vem dos intestinos no melhor dos mundos, uma citação que une as duas dimensões genialmente:

"It then occurred to me that this was not the first time I had been given a map which failed to show many things I could see right in front of my yes. All through school and university I had been given maps of life and knowledge on which there was hardly a trace of many of things that I most cared about and that seemed to me to be of the greatest possible importance to the conduct of my life. I remembered that for many years my perplexity had been complete; and no interpreter had come along to help me. It remained complete until I ceased to suspect the sanity of my perceptions and began, instead, to suspect the soundness of my maps."

E. F. Schumacher, A guide for the Perplexed

2. será que há quem te tenha amor, dentre os muitos daqui e além-mar, se contigo se tem sexo fácil com direito a gozar dentro e pílula-do-dia-seguinte? a experiência diz que sempre tem um idiota para amar no sentido forte da coisa sem nem mesmo jamais tê-la tocado. claro, até que ele canse de relevar.

3. escutem o novo disco do metallica, realmente é bom.

4. que o meu caro Rafael deve reprovar metade da turma de comunicação social. ô área de imbecis.

5. meu prazer em escrever cresce e cresce.

1.10.08

read my mind. read my mind?


Can you read my mind?
Can you read my mind?

Oh well I don't mind, if you don't mind
'Cause I don't shine if you don't shine
Before you go, can you read my mind?

Can you read my mind?
Can you read my mind?

Oh well I don't mind, if you don't mind
'Cause I don't shine if you don't shine
Before you jump
Tell me what you find when you read my mind

She said I don't mind, if you don't mind
'Cause I don't shine if you don't shine

Put your back on me
Put your back on me
Put your back on me

The stars are blazing like rebel diamonds cut out of the sun
When you read my mind

Quanto sentido.

30.9.08

Eu poderia ter sido mais tolo com você.... e você mais tola comigo.

Teve uma pessoa que chegou ao meu blog por esta entrada no google:
"Sim, sim, é de mister ousar tudo para com as mulheres."
Não me lembrava mais deste texto. Esse texto foi postado em 16.10.2006.

Porém, lembro exatamente por que o postei. Foi pelo o que eu li no dia 10.10.2006.
Postei justamente, apesar de tudo, pela idéia de ousar.
É... o passado é o que me habita.


De l’amour des femmes pour les sots
QUEDA QUE AS MULHERES
TÊM PARA OS TOLOS


Victor Henaux
Tradução de Machado de Assis



Advertencia

Este livro é curto, e talvez devera sel-o mais.
Desejo que elle agrade, como me sahe das mãos; mas é com pezar que me vanglorio por esta obra.
Fallar do amor das mulheres pelos tolos, não é arriscar ter por inimigas a maioria de um e outro sexo?
Diz-se que a materia é rica e fecunda; eu acrescento que ella tem sido tratada por muitos. Se tenho, pois, a pretenção de ser breve, não tenho a de ser original.
Contento-me em repetir o que se disse antes de mim; minhas paginas conscienciosas são um resumo de muitos e valiosos escriptos. Propriamente fallando, é uma comparação scientifica, e eu obteria a mais doce recompensa de meus esforços, como dizem os eruditos, se inspirasse aos leitores a idéa de aprofundar um tão importante exemplo.
Quanto á imparcialidade que presidio a redacção deste trabalho, creio que ninguém o porá em dúvida.
Exalto os tolos sem rancor, e se critico os homens de espírito, é com um desinteresse, cuja extenção facilmente se comprehenderá.



I

Il est des noeuds secrets, il est des sympathies.

Passa em julgado que as mulheres lêem de cadeira em materia de fazendas, perolas e rendas, e que, desde que adoptam uma fita, deve-se crer que a essa escolha presidiram motivos plausiveis.
Partindo deste principio, entraram os philosophos a indagar se ellas mantinham o mesmo cuidado na escolha de um amante, ou de um marido.
Muitos duvidaram.
Alguns emitiram um axioma, que o que determinava as mulheres, neste ponto, não era, nem a razão, nem o amor, nem mesmo o capricho; que se um homem lhes agradava, era por ter este apresentado primeiro que os outros, e que sendo este substituido por outro, não tinha esse outro senão o merito de ter chegado antes do terceiro.
Permaneceo por muito tempo esse systema irreverente.
Hoje, graças a Deus, a verdade se descobrio: veio a saber-se que as mulheres escolhem em pleno conhecimento do que fazem. Comparam, examinam, pesam, e só se decidem por um, depois de verificar nelle a preciosa qualidade que procuram.
Essa qualidade é... a toleima!

II

Desde a mais remota antiguidade, sempre as mulheres tiveram a sua queda para os tolos.
Alcibiades, Socrates e Platão foram sacrificados por ellas aos presumidos do tempo. Turenne, la Rochefoucauld, Racine e Molière, foram trahidos por suas amantes, que se entregaram a basbaques notorios. No seculo passado todas as boas fortunas foram reservadas aos pequenos abbades. Estribados nesses illustres exemplos, as nossas contemporaneas continuam a idolatrar os descendentes dos idolos das suas avós.
Não é nosso fim censurar uma tendencia, que parece invencivel; o que queremos é motival-a.
Por menos observador e menos experiente que seja, qualquer pessoa reconhece que a toleima é quasi sempre um penhor de triumpho. Desgraçadamente ninguém póde por sua propria vontade gozar das vantagens da toleima. A toleima é mais do que uma superioridade ordinaria: é um dom, é uma graça, é um sello divino.
"O tolo não se faz, nasce feito."
Todavia, como o espirito e como o genio, a toleima natural fortifica-se e estende-se pelo uso que se faz della. É estaccionaria no pobre diabo que raramente póde applical-a; mas toma proporções desmarcadas nos homens a quem a fortuna, ou a posição social cedo leva á pratica do mundo. Este concurso da toleima innacta e da toleima adquirida é que produz a mais temivel especie de tolos, os tolos que o academico Trublet chamou "tolos completos, tolos integraes, tolos no apogêo da toleima".
O tolo é abençoado do céo pelo facto de ser tolo, e é pelo facto de ser tolo, que lhe vem a certeza de que qualquer carreira que tome, hade chegar felizmente ao termo. Nunca solicita empregos, aceita-os em virtude do direito que lhe é proprio: Nominor leo. Ignora o que é ser corrido ou desdenhado; onde quer que chegue, é festejado como um cónviva que se espera.
O que oppor-lhe como obstaculo? É tão energico no choque, tão igual nos esforços e tão seguro no resultado! É a rocha despegada, que rola, corre, salta e avança caminho por si, precipitada pela sua propria massa.
Sorri-lhe a fortuna particularmente ao pé das mulheres. Mulher alguma resistio nunca a um tolo. Nenhum homem de espirito teve ainda impunemente um parvo como rival. Porque?... Ha necessidade de perguntar porque? Em questão de amor, o parallelo a estabelecer entre o tolo e o homem de siso, não é para confusão do ultimo?

III

Em materia de amor, deixa-se o homem de espirito embalar por estranhas ilusões. As mulheres são para elle entes de mais elevada natureza que a sua, ou pelo menos elle empresta-lhes as proprias idéas, suppõe-lhes um coração um coração como o seu, imagina-as capazes, como elle, de generosidade, nobreza e grandeza. Imagina que para agradar-lhes é preciso ter qualidades ácima do vulgar. Naturalmente timido, exagera mais ao pé dellas a sua insufficiencia; o sentimento de que falta muito, o torna desconfiado, indeciso, atormentado. Respeitoso até a timidez, não ousa exprimir o seu amor em palavras; exhala-o por meio de uma não interrompida serie de meigos cuidados, ternos respeitos e attenções delicadas. Como nada quer á custa de uma indignidade, não se conserva continuamente ao pé d’aquella que ama, não a persegue, não a fatiga com a sua presença. Para interessal-a em suas magoas, não toma ares sombrios e tristes; pelo contrario, esforça-se por ser sempre bom, affectuoso e alegre junto della. Quando se retira da sua presença, é que mostra o que soffre, e derrama as suas lagrimas em segredo.
O tolo, porém, não tem desses escrupulos. A intrepida opinião que elle tem de si proprio, o reveste de sangue frio e segurança.
Satisfeito de si, nada lhe paralysa a audacia. Mostra a todos que ama, e solicita com instancia provas de amor. Para fazer-se notar d’aquela que ama, importuna-a, acompanha-a nas ruas, vigia-a nas igrejas e espia-a nos espetaculos. Arma-lhe laços grosseiros. Á mesa, offerece-lhe uma fructa para comerem ambos, ou passa-lhe mysteriosamente com muito geito um bilhete de amores. Aperta-lhe a mão a dançar e saca-lhe o ramalhete de flôres no fim do baile. N’uma noite de partida, diz-lhe dez vezes ao ouvido: "Como é bela!" porquanto revela-lhe o instincto, que pela adulação é que se alcançam as mulheres, bem como se-as perde, tal qual como acontece com os reis. De resto, como nos tolos tudo é superficial e exterior, não é o amor um acontecimento que lhes mude a vida: continua como antes a dissipal-a nos jogos, nos salões e nos passeios.

IV

O amor, disse alguem, é uma jornada, cujo ponto de partida é o sentimento, e cujo termo inevitavel a sensação. Se é isto verdade, o ha a fazer, é esmbelecer a estrada e chegar o mais tarde possivel ao fim. Ora, quem melhor que o homem de espirito sabe perolar á beira do caminho, parar e colher flôres, sentar-se às sombras frescas, recitar aventuras e procurar desvios e delongas? Um caracol de cabellos mal arranjado, um comprimento menos apressado que de costume, um som de voz discordante, uma palavra mal escolhida, tudo lhe é pretexto para demorar os passos e prolongar os prazeres da viagem. Mas quantas mulheres apreciam esses castos manejos, e comprehendem o encanto dessas paradas á borda de uma veia limpida que reflecte o céo? Ellas querem amor, qualquer que seja a sua natureza, e o que o tolo lhes offerece é-lhes bastante, por mais insipido que seja.

V

O homem de espirito quando chega a fazer-se amar, não goza de uma felicidade completa. Atemorisado com a ventura, trata antes de saber porque é feliz. Pergunta porque e como é amado; se, para uma amante, é elle uma necessidade, ou um passatempo; se ella cedeu a um amor invencivel; enfim, se é elle amado por si mesmo. Crêa elle proprio e com engenho as suas magoas e cuidados; é como o Sibarita que, deitado em um leito de flôres, sentia-se incomodado pela dobra de uma folha de rosa. N’um olhar, n’uma palavra, n’um gesto, acha elle mil nuanças imperceptiveis, desde que se trata de interpretal-as contra si. Esquece os encomios q eu levemente o tocam, para lembrar-se sómente de uma observação feita ao menor de seus defeitos e que bastante o torturas. Mas, em compensação, desses tormentos, ha no seu amor tanto encanto e delícias! Como estuda, como estrahe, como saborêa as volupias mais fugitivas até a ultima essencia! Como a sua sensibilidade especial sabe descobrir o encanto das criancices frivolas, dos invisiveis attractivos, dos nadas adoraveis!
O tolo é um amante sempre contente e tranquilo. Tem tão robusta confiança nos seus predicados, que antes de ter provas, já mostra a certeza de ser amado. E assim deve ser. Em sua opinião faz uma grande honra á mulher a quem dedica os seus effluvios. Não lhe deve felicidade; elle é que lh’a dá e como tudo o que leva á exaggerar o beneficio, não lhe vem á idéa que se possa ter para com elle ingratidões. Assim, no meio das alegrias do amor, saborea ainda a embriaguez da fatuidade. Mas como, em definitivo, é elle proprio o objecto de seu culto, depressa o tolo se aborrece, e como o amor para elle não é mais que um entretenimento que passa, os ultimos favores, longe de o engrandecerem mais, desligam-n’o pela saciedade.

VI

O homem de espirito vê no amor um grande e serio negocio, occupa-se delle como do mais grave interesse de sua vida, sem distracção, nem reserva. Póde perder nelle algumas das suas qualidades viris, mas é para crescer em abnegação, em dedicação, em bondade. Supporta tudo a alguns dos seus votos, quando previne alguns dos seus desejos, longe de ensoberbecer-se, agradece com uma effusão mesclada de sorpeza. Perdoa-lhe generosamente todos os males que lhe causa, porque, muito orgulhoso para enraivecer-se ou lastimar-se, não sabe provocar, nem a piedade que enternece, nem o medo que lhe faz calar. Oh! que inferno, se a má ventura lhe depara uma mulher bella e má, uma namoradeira fria de sentidos, ou uma moça de rabugice precóce!
Soffre então vivamente com a perfidia da mulher amada, mas desculpa-a pela fragilidade do sexo. A sua indulgencia póde então conduzil-o á degradação. Elle segue a olhos fechados o declive que o arrasta ao abysmo, sem que a queixa, a ambição, a fortuna possam retel-o.
O nescio escapa a estes perigos. Como não é elle quem ama, é elle quem domina. Para vencer uma mulher finge, por alguns momentos o excesso de desespero e da paixão; mas isso não passa de um meio de guerra, tatica e cerco para enganar e seduzir o inimigo. Logo depois recobra elle a tyrannia e não abdica mais. Para entreter-se nisso, tem o tolo o seu methodo, as suas regras, a sua linha de conducta. É indiscreto por principio, porquanto divulgando os favores que recebe, compromette a que lhe concede e ao mesmo tempo afasta as rivalidades nascentes. É susceptivel pela razão, cioso pelo calculo, afim de promover esses proveitosos amúos, que lhe servem, a seu grado, para conduzir a uma ruptura definitiva, ou para exigir um novo sacrificio. Mostra a sua indifferença, indicando pouca confiança nas provas de sympatia que lhe dão. N’um baile, prohibindo á sua amante de dançar, não faz caso della de proposito. Afflige-a com aparencias de infidelidade, falta á hora marcada para se encontrarem, ou depois de se ter feito esperar, vem dando desculpas equivocas de sua demora. Habil em semear a inquietação e o susto, faz-se obedecer á força de ser, e acaba por inspirar uma affeição sincera á força de promovel-a.

VII

O homem de espirito, assustado com o vacuo immenso, que deixa no coração uma affeição que se perde, só rompe o laço que o prende á causa de dilacerações interiores.
Como bem se disse, sendo preciso um dia para conseguir, é preciso mil para se reconquistar.
Mesmo no momento em que volta a ser livre: quantas vezes um sorriso, um meneio de cabeça, uma maneira de puxar o vestido, ou de inclinar o chapellinho de sol, não o faz recahir no seu antigo captiveiro!
De resto, a mulher, a quem elle tiver revelado o segredo do seu coração, ficará sempre para elle como sêr aparte. Não a esquece nunca.
Morta, ou separado, nutre por aquella que a perdeu longas saudades. Perseguido pela lembrança que della conserva, descobre muitas vezes que as outras mulheres por quem se apaixona só têem o merito de se parecerem com ella. Dá-se elle então a comparações que o desvairam, que o irritam, que o põem fóra de si, exigindo no seu trajar, no seu andar e até no seu fallar, alguma cousa que lhe recorde o seu implacavel ideal.
E se é elle o abandonado, que de torturas que soffre!
Viver sem ser amado parece-lhe intoleravel. Nada pode consolal-o ou distrahil-o.
No caso de tornar a ver os sitios que foram testemunha da sua felicidade, evoca á sua memoria mil circunstancias perseverantes e crueis. Alli está a cerca cheirosa, cujos espinhos rasgaram o véo da infiel; aqui, o rio que a medrosa só ousava atravessar amparada pela sua mão; além está a alameda, cuja arêa fina parece ter ainda o molde de seus ligeiros passos. Contempla na janella as longas e alvas cortinas, no peitoril os arbustos em flôr, na relva a mesa, o banco, as cadeiras em que outr’ora se sentaram.
É possível que ella tenha mudado tão repente? Pois não foi ainda hontem que de volta de um passeio ao bosque, lhe enxugou o suor da testa, e que se lhe prendia em doce e extranho amplexo?... Hoje, nem mais doçuras, nem mais apertos de mão, nem mais dessas horas ebrias em que todo o passado ficava esquecido! Elle está só, entregue a si mesmo, sem força, sem alvo: é o delyrio do desespero.
O tolo está ácima dessas miserias. Não o assusta um futuro prenhe de qualquer inquietação afflictiva. Sempre acobertado pela bandeira de inconstancia, desfaz-so de uma amante sem luta, nem remorso; utilisa uma traição para voar a novas aventuras. Para elle nada ha de terrivel em uma separação, porque nunca suppõe que se possa collocar a vida n’uma vida alheia, e que fazendo-se uma habito dessa communidade de existencia, faz-se pouco novamente soffrer, quando ella tiver de quebrar-se.
Da mulher, que deixa de amar, elle só conserva o nome, como o veterano conserva o nome de uma batalha para glorificar-se, ajuntando-o numero de suas campanhas.

VIII

Ha uma época em que custa-se muito a amar. Tendo visto e estudado um pouco a mulher, adquire-se uma certa dureza que permite approximar-se sem perigo das mais bellas e seductoras. Confessa-se sem rebuço a admiração que ellas inspiram, mas é uma admiração de artista, um enthusiasmo sem ternura. Além disso ganha-se uma penetração cruel para ver, atravez de todos os artificios de casquilha, o que vale a submissão que ellas ostentam, a doçura que affectam, a ignorancia que fingem. E prenda-se um homem nessas condições!
De ordinario é trinta a trinta e cinco, annos, que o coração do homem de espirito fecha-se assim á sympatia e começa a petrificar-se. É entretanto possivel que nelle tornem a apparecer os fogos da mocidade, e que elle venha a sentir um amor tão puro, tão fervente, tão ingenuo, como nos frescos annos da adolescencia; longe de ter perdido as perturbações, as aprehensões, os transportes da alma amorosa, sente-os elle de novo com emoção mais profunda e dá-lhes um preço tanto mais elevado, quanto elle está certo de não os ver renascer.
Oh! então lastima-se o pobre insensato! Eil-o obrigado a ajoelhar-se aos pés de uma mulher para quem é nada o merito de caminhar pouco a pouco atraz de sua sombra, de fazer exercicio em torno aos seus vestidos, de se extasiar diante de seus bordados, de lisonjear os seus enfeites. Ai, triste! Esse longos supplicios o revolta, e, Pygmalião desesperado, afasta-se de Galatéa, cujo amor se não póde reanimar.
Esses symptomas de idade são desconhecidos ao tolo, porquanto cada dia que passa não lhe faz achar no amor um bem mais caro, ou mais dificil a conquistar. Não tendo sido, nem melhorado, nem endurecido pelos revezes da vida, continuando a ver mulheres com o mesmo olhar, exprime-lhes os seus amores com as mesmas lagrimas e os mesmos suspiros que lhe reserva para pintar os antigos de paixão, vem facilmente a persuadir-se que é amado. Longe de fugir persevera e – triumpha.

IX

O homem de espirito é o menos habil para escrever a uma mulher.
Quando se arrisca a escrever uma carta, sente difficuldades incriveis. Desprezando o vasconço da galanteria, não sabe como se hade fazer entender. Quer ser reservado e parece frio; quer dizer o que espera e indica receio; confessa que nada tem para agradar, e é apanhado pela palavra. Commette o crime de não ser commum ou vulgar. As suas cartas sahem do coração e não da cabeça; têem o estylo simples, claro e limpido, contendo apenas alguns detalhes tocantes. Mas é exactamente o que faz com que ellas não sejam lidas, nem comprehendidas. São cartas decentes, quando as pedem estupidas.
O tolo é fortíssimo em correspondencia amorosa e tem consciencia disso. Longe de recuar diante da remessa de uma carta, é muitas vezes por ahi que elle começa. Tem uma collecção de cartas promptas para todos os gráos de paixão. Allega nellas em linguagem bruta o ardor de sua chama; a cada palavra repete: meu anjo, eu vos adoro. As suas formulas são emphaticas e chatas; nada que indique uma personalidade. Não faz suspeitar excentricidade ou poesia; é quanto basta; é mediocre e ridiculo, tanto melhor. Effectivamente o extranho que ler as suas missivas, nada tem a dizer; na mocidade o pai da menina escrevia assim; a propria menina não esperava outra cousa. Todos estão satisfeitos, até amigos. Que querem mais?

X

Enfim, o homem de espirito, em vista do que é, inspira ás mulheres uma secreta repulsa. Ellas se admiram com o ver tímido, acanham-se com o ver delicado, humilham-se com vel-o distincto.
Por muito que elle faça para descer até ellas, nunca consegue fazel-as perder o acanhamento; choca-as incommoda-as, e esse acanhamento, de que elle é causa, torna frias as conversações mais indifferentes, afasta a familiaridade e assusta a inclinação prestes a nascer.
Mas o tolo não atrapalha, nem offusca as mulheres. Desde a primeira entrevista, elle as anima e fraternisa-se com ellas. Eleva-se sem acanhamento nas conversas mais insulsas, palra e requebra-se com ellas. Comprehende-as e ellas o comprehendem. Longe de se sentirem deslocadas na sua companhia, ellas a procuram, porque brilham nella. Podem diante delle absorver todos os assumptos e conversar sobre tudo, innocentemente, sem consequencia. Na persuasão de que elle não pensa melhor, nem contrario a ellas, auxiliam o triste, quando a idéa lhe falta, suprem-lhe a indigencia. Como se fazem valer por elle, é justo que lhes paguem, e por isso consentem em ouvil-o em tudo. Entregam-lhe assim os seus ouvidos, que é o caminho do seu coração, e um bello dia admiram-se de ter encontrado no amigo complacente um senhor imperioso!

XI

Comprehende-se, por este curto esboço, como e quanto differem os tolos e os homens de espirito nos seus meios de seducção. A conclusão final é, que os tolos triumpham, e os homens de espirito falham, resultado importante e deploravel, nesta materia sobre tudo.

XII

Depois de ter indagado as causas da felicidade dos tolos, e da desgraça dos homens de espirito: perderemos tempo precioso em accusar as mulheres? Não hesitamos em deitar as culpas sobre os homens de espirito, como fez o profundo Champcenets.
Porque não estudam os tolos, diz-lhes este autor, para conseguir imital-os? Hade custar-vos muito fazer um tal papel: mas ha proveito sem dezar? E depois, quando assim sois a isso obrigado, visto como não vos dão outro meio de solução, querer subtrahir o bello sexo ao imperio dos tolos, descortinando-lhe a perversidade do seu gosto, é cousa que ninguém deve pensar, é uma loucura; fôra o mesmo que querer mudar a natureza, ou contrariar a fatalidade.
Por quanto, ficai sabendo, continua Champcenets, que as mulheres não são as senhoras de si proprias; que nellas tudo é instincto e temperamento, e que portanto ellas não podem ser culpadas de suas preferencias. Só respondemos pelo que praticamos com intenção e discernimento. Ora, qual dellas póde dizer que predilecção a impele, que paixão a obriga, que sentimento a faz ingrata, ou que vingança lhe dicta as malignidades? Debalde procurareis nellas tão cruel prodigio; nenhuma é cumplice do mal que causa; a este respeito, o seu estouvamento attesta-lhes a candura.
Porque vos obstinaes em pedir-lhes o que a Providencia não lhes deu? Ellas se apresentam bellas, appetitosas e cégas: não vos basta isto? Querel-as com juizo, penetrantes e sensiveis, é não conhecel-as.
Procurai as mulheres nas mulheres, admirai-lhes a figura elegante e flexivel, affagai-lhes os cabelos, beijai-lhes as mãos mimosas; mas tomai como brinquedo o seu desdem, aceitai os seus ultrages sem azedume, e ás suas coleras mostrai indifferença. Para conquistar esses entes frageis e ligeiros, é preciso atordoal-os pelo rumor dos vossos louvores, pelo fasto do vosso vestuario, pela publicidade de vossas homenagens.

XIII

Sim, sim, é de mister ousar tudo para com as mulheres.


Fim

25.9.08

Qual o balanço deste dia?

Acordei muito cedo e 18 horas depois ainda não dormi.

Pela manhã trabalhei, de tarde não me lembro e a noite tomei cerveja.

Durante a cerveja sugeriram que devemos pensar o que queremos estar fazendo aos 40 anos para hoje - quando tomar cerveja e ver quem amo todos os dias já é-me suficiente - começar guiar a vida.
Em meio a muitas vidas ideais e precisas, fiquei calado.

24.9.08

Num blog aqui do lado, a principal.
Uma barra de URL é a distância.

No orkut, um jardim de amores cultivados.
Atualizações diárias de fotos, estados de espírito e dados censitários.

No meu MSN de hoje, a primeira e a última.
Dez anos de diferença numa mesma janela e a dois cliques duplos.

Não se pode mais esquecer como antigamente!

22.9.08

O pensamento que exercitamos é do tipo traçar uma reta sobre tudo que acontece e chamá-lo de entendimento. Se esse traço não pode ser descrito linearmente como no caso em que o fim do dia não possui razão alguma de ser, está a deriva, usamos que não há sentido e coerentemente alguns chegam a supor que a impossibilidade de se traçar linearmente é o fim da linha.

A imagem mais utilizada é a das ondas num espelho d'água. Lembra daquela pedra que lançou naquele dia há muito tempo, ainda era criança, e produziu muitos circulos que começavam de um pequenino e se expandiam perfeitamente até as bordas da piscina ou do rio? Aquela é a imagem da vida que todos querem: linear. Lembro perfeitamente que depois de lançar a minha pedra no rio veio uma outra criança e lançou a sua pedra também. As ondinhas que surgiram encontraram-se com as minhas que se expandiam linearmente. Cruzaram-se linearmente. A linearidade era perfeitamente percebida por nós. Outras crianças vieram e, sem que pedissem, arremessaram suas pedras. Ondas diversas se cruzavam. Não sabia ainda que isso era o mundo. Não discerni mais quais eram as minhas ondas e como se propagavam. Tudo ficou confuso e estranho. Não reconhecinha mais nada. A criança que arremessou logo depois de mim foi embora, para ela não havia mais graça onde não se reconhecia. Dava-lhe razão: se apenas houvesse nós no mundo ele seria perfeito, seria como as ondas que, dado o movimento linear inerente ao início da série, eu podia antever onde chegariam. Havia tão somente não-linearidade. Não aceitava a falta de entendimento e procurei outras águas que sempre seriam pertubadas por outras pessoas.

As pessoa do meu meio acadêmico tentam sempre o mesmo ridicularmente: apontar para o mundo humano e dizer qual é a reta. A inventividade é o que os distingui.

21.9.08

Descançar em paz neste resto de noite com o melhor remédio que existe: morrer por algumas horas e acordar cedo.

Amar a chuva numa cama quente é o que há de melhor depois de um dia sem vontade de ter sentido: planejar os dias que virão pelos próximos 2 e 4 anos é uma loucura muito pouca para o que quero.

Amar a chuva quando ela é pedra que quebra o telhado de sua casa para mostrar-te o que ela é: molhada, fria, incomodante, já é muito para ti. "Mais isto é a chuva?"! Certamente mais próxima é dos cascalhos de gelo que destroem a cidade e amassam seus carros.

15.9.08

A ação motivada por espírito preguiçoso é um reiterado ato de fala: a promessa.

Longe, muito longe do gás com que eu escrevia antes por falta de musa de inspirações maiores.
A musa virou uma pedante tomadora de notas dos seus próprios estados maníaco-depressivos.
O tom desesperado da última carta que me enviou subscreveu tudo que li antes em bobagens ridículas, patéticas e têm o seu nome como o melhor adjetivo.

A foto da última postagem é até bonita..., mas não vejo conexão alguma entre a moça diante da estrada e a hesitante. Por que ainda vou ver o que passa por aquelas bandas é a completa falta do que fazer na internet - básicamente leio e-mails e muito de vez em quando um blog amigo e um site de sacanagem.

Fui e me arrependo. Tentarei não voltar. Tentarei encontrar outra motivação.

6.9.08

Bem, eu queria que entrasse em minhas terras e visse a imensidão de meu mundo. Se deslumbrasse com cada palavra que retiro dele. Entenderia que cada palavra que uso está à altura do chão e não podem ser usadas para qualquer coisa. Daí, jamais me compreendeu ao não caminharmos sobre o mesmo gramado.

O domínio é grande, com muito verde e pedras. O domínio pertence sempre a um único senhor e uma cabeça sempre preocupada. O domínio não possui limites. O domínio está em todos os lugares e em lugar algum há uma entrada. No domínio ninguém entra e nunca saio.

Madruguei e pus-me a caminhar-me nesta manhã de sol. Há tanto trabalho a ser feito. Quantas hidras a serem destruídas! Olha quanto mundo sob meus braços. Quanto para explorar e dominar!

Há pessoas que estão além do alcance e ventos que não posso saber de onde e quando virão. Se eu pudesse levantar o rosto e entender de um golpe todas as sensações sem confundir-me com a tola certeza habitual, teria o caminho para não precisar de ninguém. A falta seria entendida de outra forma. A solidão poderia ser entendida de outra forma e até não poderia existir, menos por saber como convencer alguém a permanecer ao lado do que não ter precisão de ninguém por perto.

17.8.08

Polarizações dinâmicas é uma boa idéia. Tensas são as relações que me revolucionam. Simuntâneas tanto a que se mantém e a que surgi; esta se chama Ana e a outra prefiro não dizer o nome. Quem nos observa de fora diz que paixões são sempre as mesmas. Aparentemente! (tenho certeza). A noite foi confusa (e li mal meus livros) porque tudo que agora sinto pode não passar de uma farsa.

Temo ter passado o tempo das Revoluções para somente a adaptação às circunstâncias.

16.8.08



A banda que mais escutei em minha vida por um pouco mais que 15 anos. O que isso me diz hoje?
Quase não escuto e para trás não deixei essa música. Isso se aplica a pessoas quando elas não fazem para serem deixadas para trás. De uma música não fica rancor.

Interpol - Rest My Chemistry

25.7.08

1. Com relação a decisão tomada por x numa noite embreagada, vale a seguinte proposição:

Uma vez que a decisão tenha sido tomada, fecha os teus ouvidos mesmo ao melhor argumento contrário: sinal de um caráter forte. Assim, uma disposição ocasional à estupidez. Nitx.


1.1. Estupidez é o nome que prefiro dar ao output do dilema conhecido como Weakness of Will. Segue-se:

Sabido que y irá te sacanear tal com fez com s(ucker), por que ligarei novamente para y?


1.95. A terceira da noite segue o padrão subjacente a junção dos dois padrões anteriores. Temos:

Tendo consciência de que a ação manifestadamente estupida resultará em perdas de ordem moral e males tais como angústia, preguiça e descrença generalizada ao fim do processo
e que será feita, faça-a direito não se esquecendo de sempre usar camisinha.


Tais são os passos lógico-fundacionais rumo a consecução da grande teoria analítica de mattar.

21.7.08

Me vejo careca e concentrado numa foto que ainda será antiga.
Ao fim da minha vida já terei criado e matado muitas pessoas. Não terei misericórdia nem com os que eu mais amar.
Meus amigos, espero lê-los. Vê-los bem situados nas principais cadeiras do nosso grande Brasil e do mundo.
Os dias serão melhores.
Aos que não quiseram me acompanhar, não consigo desejar mal e certamente serão citados e contados. Não deixarei que sejam esquecidos. Ninguém melhor do que eu para carregar todos por aonde eu for. Muitos estão aqui em meu quarto. Frio, mas meu.

Isto é um sonho. Não percebeste ainda?

Bem, esta música que estou ouvindo me lembra minhas últimas brincadeiras da infância. Não lembro de muitas coisas, além disso pouco posso afirmar sobre o se passava em mim. No entanto, dalgo tenho certeza. Eu devia estar apaixonado por uma menina que certamente não era a mais bela – como todas que se seguiram. Ela era a única que vislumbrava para minha vida. E desde aquela época eu tinha certeza que era você a minha escolhida.

Disso segue-se que a pergunta não é “como eu não poderia não me apaixonar por você?”, mas “como eu não poderia me apaixonar?

Não tente seguir meus passos rumo a um estilo como se ainda eu quisesse que também fosse o nosso.

5.7.08

Uma preguiça do mundo. Menos uma vontade de desaparecer do que não ver mais as mesmas coisas – 1. e nestas estão todas as pessoas secas; 2. e aqui está o problema de eu ser incluso neste grupo; 3. não se ver lá tem uma dupla conseqüência imediata: ou estou ficando cego, guiando-me unicamente pelo tato sensível e pelos provincianismos como a ingênua vaca que amei, ou estou cegando-me, alcançando, assim, a idade da canalha.

Há momentos em que devemos exercitar a solidão. Se possível transformá-la em uma ética. Veja o exemplo dos que ignoram os divertimentos e os pássaros com o fim de elevar-se além das banalidades.

Pork and Beans - Weezer

4.7.08

Anexo I.


Acredito nas intuições de Wittgenstein. Se eu aponto para um determinado ponto e te pergunto o que é “isto” o que me dirá? É uma pergunta aparentemente boba e a resposta que a maioria dirá será algo assim: “Me aponte que digo”. Bem, eu irei apontar e você dirá o que é. Quase nenhum adulto irá ter dúvida em distinguir uma cadeira no meio de outras coisas. Mas o que é isso que chama de cadeira? Eu apontei para algo, mas não disse a você que eu poderia ter apontado para a madeira que constitui a cadeira. Eu poderia ter apontado para a cor, para a textura, para a densidade. Mas você diz que é uma cadeira e eu nem me pergunto se você considerou as demais possibilidades porque eu também diria que é uma cadeira sem considerar o que expus acima. As demais respostas como madeira, polida ou marrom escuro também são igualmente corretas e já as excluímos sem considerá-las. Se eu apontasse para algo, que você e eu chamamos de cadeira, e perguntasse o mesmo a uma criança? Caso ela respondesse que “madeira”, eu deveria dizer que ela está errada? Normalmente dizemos “não perguntei do que é feito e sim o que é!” ou “está certo, mais presta atenção na minha pergunta”. Estranha resposta, não? A criança poderia não dizer nada justamente por não saber para que apontamos, nossa intenção ao apontar. Sua confusão seria “coisa de criança que está aprendendo as coisas”. Dizer que para determinadas situações as intenções mais condizentes pode ser um início esclarecedor. Alguém precisando alcançar a parte mais alta de um velho guarda-roupa corroído por cupins diz: “Pegue isto para mim!” Normalmente ninguém irá pegar um pedaço de madeira serrado, pregado e polido e sim uma cadeira. Crianças e estrangeiros podem até vacilar em situações como estas – pais e antropólogos estão recheados de casos semelhantes, porém isso são coisas que adultos não fazem, ainda mais se já estiverem na idade da razão. De imediato, nós adultos, eliminamos estas possibilidades de respostas ou intenções possíveis e agimos de forma coordenada com se tivéssemos feito um acordo sobre qual é a intenção adequada em dadas situações. Mas não fazemos tais acordos, isso é óbvio. Dado que a quantidade de intenções que podem surgir como concorrentes num simples ato de apontar para algo pode ser realmente grande, a operação de eliminar intenções concorrentes seria certamente demorada inviabilizando qualquer forma de ação entre indivíduos - ou uma ação social para nossos fins não tão imediatos. Se não permanece a implausível imagem de indivíduos que deliberam quais intenções terão em determinadas situações, tende a permanecer, agora, uma imagem de ações que possuem intencionalidade, mas não sujeitos conscientes de tais intenções.


Voltando ao inicio. O mais interessante de tudo é que é realmente uma cadeira o objeto que apontei. Tive a intenção de apontar para uma cadeira. A pergunta não é, creio, perguntar por que abstraímos ou ignoramos a quantidade imensa de respostas e que poderia ser muito mais abrangente dependendo do lugar que se pergunta – um carpinteiro poderia dizer paraju ou sucupira – justo em favor de “cadeira” ou outro nome. Isso depende do contexto, como dizem. Não perguntamos sobre a possibilidade de outras respostas que tal pergunta suscita porque não fazemos tal operação analítica – que é da ossada de Wittgenstein, filósofos, cientistas sociais – que certamente sempre demandaria tempo e inviabilizaria qualquer ação coordenada entre indivíduos. A idéia de ação social vem à mente. Simplesmente há uma única pergunta, ou melhor, que há uma única intenção de quem pergunta e, portanto, uma única resposta.


Ainda seguindo as intuições de Wittgenstein. Se além de perguntar o que é este objeto eu lhe pedisse para carregá-lo. Se for uma cadeira maciça de madeira nobre e não estes aglomerados, tão comuns há algum tempo, acho que pelo seu tamanho e peso não conseguiria carregar com facilidade. Você iria fazer muita força e até suar. Poderia quebrar suas unhas e arranhar as mãos se ela não tiver bem polida. O objeto que deu nome de “cadeira” passa a ser algo que você não conhece unicamente como um objeto que reconhece numa relação apartada de qualquer conhecimento que não intelectual como o que temos de buracos negros. Conhece-se ele também a partir de uma perspectiva corporal, simultânea a reflexão. Então temos duas formas de conhecimento? Um amálgama de experiências sensíveis que nos habilita a lidar e dar especificidade a cada coisa e agir de forma coordenada com outros indivíduos é um conhecimento de fundo anterior a toda a nossa intencionalidade?

28.6.08

Ensaio de um encontro feliz se não fosse uma infeliz

Parece que sou o único que ainda quer algo mais que um simples contentamento. Bem, há a sorte de que aparências são quase sempre aparências. Essa tem sido a fonte de todos os meus contentamentos. Isso não dá mais.

“Mais tarde” nunca chega e fica para outra semana. E essa semana nunca chega. Chega!

Percebe-se que há mais por trás da indiferença com que sou recebido. Também há mais por trás dos anos em que não te procurei. Alguém teve que fazer de conta que não há o peso do tempo, que nunca houve mágoas, e aproximar-se. Houve um grande esforço de minha vontade para que eu surgisse vulnerável diante de ti e de aceitar cada palavra que não esperava. Um tinha que ter feito isso. À outra, resta que entenda que é por nós e me abra um sorriso.

Deve ser difícil aceitar que não sou mais apenas um monte de frases e que sou de carne e osso.

Acordei quarta-feira vendo o mundo com outras lentes, estava mais calmo e pude dormir sem esperança, sem esperar. Às vezes, boas coisas acontecem.

22.6.08

Vou deixá-los a sós, afastar-me lentamente para que não os atrapalhe. Há muito esperam por este abraço. Quantas páginas foram escritas e rasgadas para que aqui chegassem. A paz os pertence. O apartamento se apequena. Toca a Baquianinha nº1. Daqui já não os vejo tão bem e são como uma sombra apenas. Tudo escurece. E escurece mais à medida que me afasto. Não irei nem mesmo fechar a porta para não despertá-los. Ninguém passará pelo corredor entrará porque todos sabem o que está acontecendo na calma de suas vidas. Não posso saber o que irá ocorrer agora e por toda a noite. Já é tarde e devo ir escrever a minha vida.

26.5.08

Aos meus visitantes

Tenho escrito pouco comparado a outros períodos. Minha disposição de me expor ainda exite e coexite agora com um cansaço de minhas histórias.

Peço que não fiquem apenas nesta página inicial. Vasculhem o conteúdo - pelos arquivos é um bom caminho.

Peço também que comentem mais, é sempre uma satisfação lê-los.

Luciano Mattar

23.5.08

Nunca converso sozinho e não haveria de escrever só para mim. Falta-me um interlocutor.

Uma pessoa burra sempre gosta e não me força. Uma pessoa inteligente problematiza e no fim não tem dúvida.

Um bom interlocutor é aquele que mesmo morto todos têm de dar conta sem nem mesmo saber suas reais objeções. Já tive destes só que esbanjando vida e brasileira.

Vou tentar convencê-la nesta próxima semana de que cansei de escrever, porque perdeu o sentido e a graça.

13.5.08

Yesterday

All my troubles seemed so far away
Now it looks as though they're here to stay
Oh, I believe
In yesterday

Suddenly
I'm not half the man I used to be
There's a shadow hanging over me
Oh, yesterday
Came suddenly

Why she
Had to go I don't know
She wouldn't say
I said
Something wrong now I long
For yesterday

Yesterday
Love was such an easy game to play
Now I need a place to hide away
Oh, I believe
In yesterday

Why she
Had to go I don't know
She wouldn't say
I said
Something wrong now I long
For yesterday

Yesterday
Love was such an easy game to play
Now I need a place to hide away
Oh, I believe
In yesterday

(hum to "I believe in yesterday")

26.4.08

Sente o chão se mover mais o seu corpo não se move. Isso não causa perplexidade. Nem ao menos abre os olhos para ver o que se passa sob seu corpo. Aperta mais a terra com as mãos quase machucando os dedos. Sente o movimento da terra como sentimos a nossa pulsação. Seria válida a pergunta sobre a continuidade do seu corpo e a terra como uma união entre pedaços de uma única coisa. Não seria válida a pergunta sobre se a continuidade era entre carne e terra. Carne e terra são coisas que a diferença é tão elementar que ninguém colocaria em questão de serem capazes de interagirem como células de um mesmo corpo. Mas a questão que se coloca é: só é passível este tipo de interação entre partes de um mesmo corpo? É plausível supor que coisas tão distintas quanto carne e terra podem estar numa relação de interação como a dos órgãos de um corpo? Apesar de possuir um senso para interrogações desse gênero, não as faria jamais naquele momento e por um motivo muito simples: para ele não havia qualquer dúvida. Não havia terra abaixo de seu corpo. Não havia “ele” como pessoa que sentia que seu “corpo” se expandia sem nenhum limite. Havia unicamente uma experiência, uma certeza. Em momento algum percebeu que seu corpo se adentrava à terra e que pequenos montes de terra e de cascalho grosso soerguiam a sua volta pelas simples razão que dois corpos não ocupavam o mesmo lugar. Em minutos aquela lenta e dolorida experiência o havia deslocado por metros abaixo da superfície do solo. Ainda não havia perplexidade. Olhou para cima e viu o céu imensamente estrelado e quis vê-las melhor, era tão belo aquele pedaço do universo. Agora seu corpo era erguido. Passou do nível da superfície e continuou subindo. Estava já a dezenas de metros de altura. Estava em um ponto em que podia ver todo o vale escuro, as casas distantes. Podia subir o tanto que quisesse. Sua tristeza foi se transformando em uma pequena satisfação, e a satisfação foi se transformando em euforia. Em um dado momento toda a plataforma de terra, rocha e cascalho o levou na direção do ponto mais alto da serra. “Eu poderia saber que posso tanto se jamais a tivesse conhecido?”, não ousou uma resposta. “Devo contar a alguém?”, não conseguiria segurar por muito aquele segredo. “Isso tudo não é apenas minha cabeça, tenho certeza” – melhor, a certeza o impede de qualquer questão. O tempo estava aberto e queria permanecer naquela serra até amanhecer. Se sentia a serra. Se sentia maior. Se sentia forte. “O que mais posso?” Colocou a mão novamente sobre a terra e fez erguer uma imensa torre de rocha a quilômetros de onde estava. Foi tão simples quanto levantar o braço.

19.4.08

CANÇÃO DO AMOR IMPREVISTO

Eu sou um homem fechado.
O mundo me tornou egoísta e mau.
E a minha poesia é um vício triste,
Desesperado e solitário
Que eu faço tudo por abafar.

Mas tu apareceste com a tua boca fresca de madrugada,
Com o teu passo leve,
Com esses teus cabelos...

E o homem taciturno ficou imóvel, sem compreender
nada, numa alegria atônita...

A súbita, a dolorosa alegria de um espantalho inútil
Aonde viessem pousar os passarinhos.

Mario Quintana

17.4.08

Depois da carta da pós da sociologia, divulgo texto que meu pai (ex-aluno da Unb), fez sobre a ocupação da reitoria. Numa viagem de trabalho rumo ao MEC, ele visitou a reitoria e lembrou de muita coisa dessa vida :)

2008, o ano em que 1977 terminou.

A rampa de acesso ao primeiro piso da reitoria da Universidade de Brasília estava interditada. O grupo de 150 estudantes que ocupara a reitoria da UnB no dia 3 de abril permanecia no prédio, exigindo a demissão do reitor. O protesto principal dos alunos era contra desvio de finalidade na aplicação de recursos destinados a pesquisa científica para a compra de objetos de decoração de luxo e utilizados na reforma do apartamento utilizado para moradia do reitor. O bloqueio dos alunos à entrada da reitoria estava demarcado por uma placa que solicitava "apresente a carteirinha de estudante" como passaporte para ingressar nos pisos superiores da reitoria. Em respeito à advertência, parei junto à placa e perguntei às duas estudantes que ali faziam a sentinela se eu informasse apenas o número da minha matrícula de aluno da UnB do ano de 1976 valia, explicando a elas que eu não portava a minha carteirinha de estudante emitida 32 anos antes. Elas não entenderam de imediato o meu questionamento, e eu logo percebi que elas tinham mesmo lá os seus motivos.

Afinal, naquele encalorado final de tarde de sexta-feira, 11 de abril, a pergunta vinha de um inusitado grisalho engravatado, que soava estranho num ambiente de meninas recém púberes e de meninos com a barba rala e por fazer, acampados há oito dias no revestimento de borracha preta que faz as vezes de piso nos corredores da reitoria da UnB. Em meio aquele woodstock universitário eu era ali um cinquentão em terno de risca de giz. As meninas guardiãs da entrada do prédio reservada apenas aos estudantes nunca tinham me visto antes. Nem em salas de aula, assembléias ou nos atos coletivos disparados desde a ocupação da reitoria. Poderiam elas confiar o acesso ao prédio ocupado para aquele senhor que, antes de se aproximar à entrada da rampa, vagara por alguns minutos por entre as barracas em formato de iglu em que os estudantes dormiam, que caminhara ao meio dos rolos de papel craft utilizados para pintar palavras as frases de protesto, como que a contemplar o cenário de um conflito?


Não me demorei mais que dez ou quinze minutos na minha visita à reitoria ocupada pelos estudantes. Melhor dizendo, na visita anônima e solitária que realizei para conhecer mais de perto aqueles estudantes que, rompendo com a tradição macunaímica entranhada na cultura brasileira de se querer levar vantagem em tudo, e de se evitar a denúncia ou a contestação de fatos relacionados a malversações na esperança de que o silêncio conivente leve à possibilidade de também ficar com um pedaço do butim, e que surpreendentemente se apresentaram à sociedade brasileira como defensores de uma ética republicana na condução dos negócios públicos.

Sim, pode ser difícil de se compreender aqueles estudantes à primeira mirada. Não foram os professores dos departamentos de filosofia, direito, sociologia ou assemelhados os primeiros a se rebelar no campus contra as condutas que o Ministério Público apontava como não adequadas na gestão de órgãos da UnB, como também não partiram de parlamentares ou sindicalistas até então alinhados com a bandeira da educação as iniciativas de um posicionamento absoluto por uma ética radical.

Aos jovens estudantes em ocupação da reitoria o aconselhamento primeiro que viera da casta professoral, da corte parlamentar e de instâncias administrativas superiores fora de um conformismo atávico. Os argumentos preponderantes eram de que à ilegalidade não se chegara na gestão daqueles recursos públicos destinados à educação, ainda que se pudesse discordar no campo moral sobre as escolhas feitas na aplicação dos mesmos. Os doutos, as Vossas Senhorias e as Vossas Excelências afirmavam aos alunos que as questões em denúncia pelo Ministério Público não eram de ordem legal, mas sobretudo de natureza ética, e que assim deveriam ser discutidas. Pobres aprendizes, aconselhados naquela circunstância por alguns de seus ilustres mestres a se consolarem com uma possibilidade infinita de tergiversações sobre se o que não é ilegal mas se apresenta como antiético seria ou não passível de contestação.

Eles não se conformaram e fizeram com a ocupação a sua própria hora acontecer. E foi com a alegria de ouvir aquele retumbante não que os estudantes pronunciaram com o seu gesto de ocupação ao mesmo tempo pacífica e radical que percorri o pequeno trajeto entre o estacionamento e o prédio da reitoria. Quando finalmente me aproximei do prédio alguns deles estavam lavando com água e sabão o prédio da reitoria, dois ou três ao violão ensaiando acordes de Renato Russo, outros em leitura e muitos com olheiras das noites mal acomodadas.

Entrei no túnel do tempo e vi ali flashes da greve de estudantes do ano de 1977, na mesma UnB. Naquele ano, muito ao contrário da República Livre pela Ética proclamada pelos estudantes de 2008, o campus da UnB foi ocupado por centúrias, talvez um milhar de policiais que, por solicitação do reitor e com aval do Palácio do Planalto passaram a espionar, intimidar e a reprimir os estudantes em greve naquele período. Eu confesso que tive dificuldade em identificar as sensações que me vinham naquele caminhar. Trinta anos depois tudo estava muito ao contrário na Universidade de Brasília. Ao contrário de um reitor plenipotenciário protegido por seguranças e alimentado de informações sobre o movimento estudantil por toda sorte de instrumentos, inclusive de fotos tiradas por teleobjetivas postadas no alto da reitoria para identificar os alunos que se reuniam a trezentos metros dali no teatro de arena, o edifício da reitoria estava naquele instante sob controle pacífico daqueles jovens universitários.

Em 1977 eu cursava o quarto semestre de agronomia, e fazia parte do Centro Acadêmico Agro-Flô, que representava também os alunos de engenharia florestal da UnB. Recém calouro, eu apoiava as lideranças do Centro Acadêmico durante a greve ora pintando faixas, ora convocando e participando de mobilizações da greve que realizávamos em prol da anistia política, da redemocratização do país e de bandeiras difusas pela autonomia universitária, entre elas a escolha do reitor pela comunidade acadêmica. Não tínhamos denúncias concretas contra o reitor José Carlos Azevedo. O protesto era político e nacionalmente articulado. Mas, na universidade, o então reitor simbolizava o regime, e por isso caminhávamos minhocão afora com os bordões de "a greve continua, põe o capitão na rua", e outros tantos até que o campus, inicialmente ocupado por um conjunto de falsos alunos travestidos de hippies fora de moda que a tudo vigiavam e que se calavam à primeira tentativa de conversação, por fim oficialmente ocupado pela polícia. Aos soldados contrapunhamo-nos apenas cantando o Hino Nacional e o Hino da Independência com a bandeira do País à frente dos manifestantes.

Ficou na memória coletiva a imagem do King Kong, alcunha com a qual identificávamos um policial escolhido pelos estudantes para tipificar o padrão da ocupação. A memória distante faz ternos até os momentos mais difíceis pelos quais passamos, onde as polaridades se desvanecem e uma bruma de poesia toma conta.

Perdemos aquela greve, foi a minha impressão à época. O reitor puniu mais de 50 estudantes, alguns deles com a expulsão. O conselho universitário foi convocado para analisar as punições e, para desconsolo dos estudantes e de uma parte dos professores, endossou os feitos da reitoria. Um sem número de estudantes em desencanto ou em fuga da repressão desencadeada não retornou às aulas, eu entre eles. Abandonei o curso e a instituição. Mas, por estranho desígnio, guardo até hoje a minha carteirinha e sempre soube de cor o número da minha matrícula na UnB. Naqueles meus 18 anos eu não aceitava que as punições estivessem endossadas pelo que seria o órgão maior da instituição, não concordava com o progressivo retorno às aulas pela maioria dos alunos, e também não aceitava o discurso parlamentar de nossos interlocutores no Congresso Nacional que nos consolavam afirmando que os objetivos tinham sido alcançados, como se a greve tivesse sido vitoriosa. Tudo era muito intangível para mim, e argumentei que ao invés de continuar o estudo da agronomia eu deveria buscar o conhecimento do comportamento e da alma humana. Fiz vestibular no CEUB, Centro Universitário de Brasília, e me formei em psicologia. Em verdade sem nunca ter encontrado respostas para as perguntas que eu me fazia naquele segundo semestre de 1977.

Foi com este pequeno filme a me passar na cabeça que cheguei ao pé da rampa de acesso à reitoria ocupada pelos estudantes. Eu os observava ora como pai, ora como grevista de 1977. O que aqueles jovens estudantes pediam em 2008 era em muito superior às nossas reivindicações de 1977. Mesmo a simbologia do ato reivindicatório de literalmente ocupar a reitoria, sem violência ou vandalismos superava o nosso protesto peripatético de caminhadas pelo campus, de reuniões em anfiteatros ou de assembléias no teatro de arena em 1977. Sim, é preciso considerar que em 2008 os estudantes puderam contar em seu protesto com as garantias constitucionais do estado de direito que pleiteávamos em 1977. A maioria dos alunos em ocupação da reitoria em 2008 nasceu já com a democracia em consolidação, experimentaram o voto para presidente aos 16 anos, puderam participar de eleições para reitor e da discussão sobre políticas públicas de educação, e que ao lado da anistia política eram nossas bandeiras três décadas atrás. A falta de bandeiras políticas pelas quais os estudantes pudessem se bater foi apontada durante os anos de 1980 à década de 2000 como fator de desmobilização dos movimentos estudantis durantes os anos da democracia, chegando mesmo ao controle de organismos de representação lideranças simplesmente aderentes aos governos de plantão, com reivindicações que não ultrapassavam o chavão de 'mais verbas para a educação', inclusive verbas para sustentar o próprio movimento, e que assim se despersonalizava.

Porém, algo de novo, algo de diferente se passava com aqueles estudantes ali na UnB. Junto à rampa troquei as minhas poucas palavras com as duas alunas que cuidavam do controle de entrada. Meio minuto depois de eu ter perguntado se eu poderia entrar, mesmo sem a carteirinha exigida como salvo-conduto, não sei bem o porquê elas me acreditaram como ex-aluno e colega de 1977, e também como pai de uma aluna de 2008 que estivera com elas em vigília numa das noites de ocupação. Talvez me tenham lido os olhos ou a alma e percebido que a minha missão era de paz. Mesmo com o convite delas optei por não subir. A visita no piso térreo já me tocara por demais.

Uma das alunas ao pé da rampa estudava Física, e a outras Ates Cênicas. Elas não tinham outras reivindicações que não fossem a da busca da correição no exercício da função pública. Não tinham discursos decorados ou estruturas de argumentação ideologicamente padronizadas. Não eram contra e nem a favor do governo, não passava por estes caminhos previamente pavimentados o protesto delas. A razão do protesto viera da indignação dos estudantes e de suas famílias, a razão estava na busca por uma ética que elas consideravam possível e adequada, ainda que a muitos parecesse perdida ou ultrapassada. De saída, perguntei a elas o motivo de terem escolhido os cursos que faziam. Não me vejo fazendo outra coisa na vida, respondeu uma de nome Maritza. Com esta frase a me ecoar caminhei de volta ao estacionamento, meio que chorando e rindo baixinho, de orgulho daquela meninada.

No domingo, 13 de abril, a notícia de que o reitor da UnB havia renunciado ao cargo, assim como o vice-reitor o fizera no dia anterior. Eu fiz as contas e percebi que em apenas dez dias um grupo inicial de 150 alunos derrubara a reitoria de uma das mais importantes universidades brasileiras. Não quebraram um único vidro. Não viraram ou incendiaram carros. Nem mesmo palavras de ordem que pudessem contagiar multidões em passeatas eles as tinham nas faixas de papel que grudavam com fita crepe nas paredes. Eles pediam e diziam simples e radicalmente ética. E venceram. Por impensado que pareça.

De certa forma, talvez para o meu conforto na busca das respostas que desde há muito eu procuro, fiquei com a impressão de que 2008 foi o ano em que 1977 terminou.


Meninos e meninas deste feito, muito obrigado.


João Vianney.
Ex-aluno da UnB. Matrícula 76/02251

notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.