17.12.05

Você é tão linda quanto! As espirais de seus cabelos assim como sua pele branca vocês partilham. E seus nomes começam com mesma letra, Ah... Mas por que não lhe peço para brincarmos na chuva? Poderia até ficar melhor com você, vai saber... Ela é muito complicada e eu também. Ela se diz uma pessoa má e eu sou pior do que ela. Ela dissimula muito bem e eu não sei mais quando não estou fazendo esse tipo de coisa. Ela odiou quando eu disse a ela essas coisas e eu fiz com que as verdades que ela me disse fossem devaneios de uma pessoa rasa. Sabe, eu não tenho a mínima idéia do que me levou num dado momento dizer: “eu a amo!”. Por que não antes ou depois? Teria feito alguma diferença se tivesse sido antes? Ou as coisas se deram assim por que demorei a dizer? “...” Eu sei que estamos conversando mas não quero que me diga algo do gênero de: “o mundo está cheio de pessoas bacanas”, “fulano de tal diz: ...”, “para curar a dor de um antiga paixão nada melhor que a dor de nova paixão”. Hoje, quero apenas que me escute. Não vou lhe perguntar sobre a sua nova peça ou sobre como você está se virando. Perdoe-me, é com ela que gostaria de estar agora. É naquela mesa que está queimando que me olhou pela última vez, durante uma tragada. Não se preocupe, não há perigo da nossa mesa queimar, a grama está muito verde e veja quantas borboletas. Amigo, me vê uma daquela curtida! Pergunto sempre se ela pensa em tais coisas. Pergunto se pode escutar o nosso monólogo. É quase certo que não. Não me pergunte por que escrever já que resulta pouco, você é bem mais aberta à vida do que eu. Tem razão quando me diz que se deve dizer o que sente e o que se quer.
Eis o que quero:

"El poeta pide a su amor que le escriba

Amor de mis entrañas, viva muerte,
en vano espero tu palabra escrita,
y pienso, con la flor que se marchita,
que si vivo sin mí quiero perderte.

El aire es inmortal. La piedra inerte
ni conoce la sombra ni la evita.
Corazón interior no necesita
la miel helada que la luna vierte.

Pero yo te sufrí. Rasgué mis venas,
tigre y paloma, sobre tu cintura
en duelo de mordiscos y azucenas.

Llena, pues, de palabras mi locura
o déjame vivir en mi serena
noche del alma para siempre oscura.

Frederico García Lorca"


O cidadão está mexendo no rádio, deve querer outra música. “Quando a gente ama qualquer coisa serve para relembrar...”. Faz tanto tempo que eu não escuto essa música e nem alguém que assovie tão bem quanto o camarada que a acompanha. Há um nível em que tanto os ordinários quantos os ditos extraordinários estão. É o chão. E isso é inegociável. Você sabe que eu não estou falando de onde pisamos.

Que belas rosas! Você aceita uma? Esta criança sempre espera a chuva passar aqui debaixo e ofecere as suas flores aos que enchem a cara. Olho para o seu rosto manchado e sinto pena. É trágico quando uma criança suplica por amor e cômico quando é um adulto. Duvido muito que ela queira o nosso, qualquer um que nos olhar verá que somos secos, é nosso dinheiro que ela quer, mais nada. Conhece mais deste mundo do que nós e com certeza já deve ter lidado com pessoas muito piores. Aqui só há bobos. Compro a sua flor se estregá-la àquela señorita. Ela está ali, é só seguir os meus olhos, é a única que quero ver.

notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.