15.3.06

Lápis n.º 2

O senhor SAK se utiliza de abrãao para trabalhar a angústia. Bem, não creio em Abraão. A descricão do Sr. SK, entretanto, é por mim aceita. A minha questão é se realmente existiu algum ser que possa ser um exemplo de alguém, não Abraão, que tenha passado por tais provações – e daí ser de fato possível, e se tal angústia, por falta de outro Indivíduo, não seja senão a angústia de K, plausível por sua vida.
Às vezes digo que estou angustiado, e de alguns meses para cá se tornou um estado contínuo. “Como você se sente então?” Não sei dizer. Habituei-me a dizer “hoje não tô legal” e quando digo já sei que é o que está ocorrendo. Por que "hoje não tô legal"? Me aventuro à escrita, e vejo no que dá. Construir por minhas próprias mãos uma explicação, por este tipo de via, para mim já é suficiente quando desejo alguma, apesar de que, vão por mim, nehuma resolveu nada, até pelo contrário, criaram coisas que não existiam. E a esse feito da minha imaginação, feita com a imensa ajuda de imaginações alheias, devo boa parte do que me transformei, nisto que digo de forma sem muito objetividade ou precisão maior, um angustiado. Creio que eu era menos angustiado quando não conhecia a poesia. A poesia, no meu caso e sempre no meu caso, faz necessariamente pensar, que idéias em torno da beleza, da paz de espírito, paixões jamais interrompidas e milhões de coisas. Potencializa um germe anterior a ela. Assim como outras formas de linguagem o fazem – mas não é o quero falar aqui. Faz com que coisas que vão muito além do nosso mundo prático viessem a ser imaginadas, e quanto mais poderosa a imaginação de seus artífices, que quando mais extravagantes são, são mais distantes de qualquer forma de realidade possível e concreta, mundos literalmente criados, com seus “dever-ser” que são quimeras, dada a sua imaterialidade. Minha posição se mostra falaciosa: alguém que nunca está bem consigo, procura outras coisas que o ajudem a sair do não-estar-bem-consigo e ir diretamente para o estar-ainda-pior-do-que-não-estar-bem-consigo e disso ir para o algo pior ainda, até dar conta de que se ficar pior ainda se torna cômico, e aí volta-se para o não-estar-bem-consigo, porque lá é no mínimo mais digno. E tudo começa novamente. Em algumas pessoas um “B” qualquer já é motivo para se começar o processo, fase fútil que já superei e ilustrativa das frivolidades que nos condicionam. Agora, sobre o que me faz despencar ao cômico não abordarei aqui – se bem que informações a respeito não faltem por aí.
Falando sério, o que pode ser a angústia se jamais serei um Abraão e nem em Deus acredito. E existe tal coisa? Há algum ethos com o qual eu, Luciano Mattar, devo me defrontar? Ethos?
Outro dia eu trabalho isso.

14.3.06

Não tem muito tempo que um amigo se aproximou de mim e disse com uma voz muito tímida: “O Zezé finalmente deu sussego pra mãe” e depois sorriu. Seus olhos vermelhos ficaram lindos porque estava sorrindo. Zezé era para ele como um irmão. Isso já faz alguns anos.
Lembrei disso porque há pouco li a angústia de alguém que não sabe que leio a sua angústia e que acredita esconder os seus olhos vermelhos atrás de um gracioso sorriso e que certamente não mente em relação à beleza do seu sorriso.

Ei de falar novamente do meu amigo e da bela moça.

notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.