29.1.09

Perco um grande amor mais não perco a poesia

Todo dia, toda noitada, toda mesa, toda música, todo filme, toda propaganda na televisão me faz criar frases excelentes. Pena que minha memória me matta de desgosto. Porém e muito porém mesmo, se eu lembrasse de tudo seria ótimo e anormal e inviável. Lembra do cavaleiro de Borges que se lembrava de tudo? Não é isso que preciso. Pois não esquecer o nome das pessoas já seria bom e menos aterrorizante em situações, digamos, dadas ou take for grant. Veja só os seguintes casos possíveis e ocorríveis. No começo, foge da memória apenas o nome das pessoas que não se vê mais. Normal como o gosto de coisas que se acostuma com o gosto. Depois e não lógico e causalmente depois, uma vez ou outra se esquece do nome da própria amada, o que é perdoável. Ora, quem nunca esquece esse tipo de nome – é melhor do que trocar pelo nome de outra. Bem, ela perdoará. Agora, quando diante de um formulário, se espera um instante para preencher o seu próprio nome certamente, lhe digo que você partilhará das mais estranhas sensações deste mundo. Foi o meu caso. Foram apenas dois míseros segundos. Conte! Já passou. Aterrorizante. Como esquecer o próprio nome? Se aconteceu isso, o que não esqueceria? Se te pergunto quem sou eu você pode dizer: “Um homem assim e assado”. E se eu te perguntar quem é assim e assado você pode dizer: “Um homem que tem tais e tais características” e eu: “Como assim?”. Você poderia dizer então: “Você” e eu: “Eu? Mais quem sou?” você poderia dizer então: “Luciano, o que é assim e assado, tem tais e tais características e que é você ”. Por dois segundos fui um amontoado de coisas genéricas, abstratas, inconcluíveis... Foi uma única vez. Nem mesmo quando se fica no espelho do banheiro se olhando fixamente nos próprios olhos até que sua própria imagem se borra e resta apenas os olhos fixos sem dono sem suporte sem história sem saber como chegaram ali, seu nome está lá. Não me esqueço quando criança que eu olhava para as outras pessoas próximas, minha mãe por exemplo, e tentava vê-la como eu via uma pedra, algo ali mexendo para lá e para cá – e dava tão certo que não conseguia manter por muito tempo essa brincadeira –, não conseguia esquecer do nome de minha mãe: “Mãe” – minha mãe tinha e tem outro nome que é “mãe”. Engraçado isso tudo. Acho que isso daria um bom conto, tipo, “O homem sem nome”. Algo assim: “Qual o seu nome?”, “Meu nome é... tome o meu cartão, de brinde o número do meu celular!”

Acabo de lembrar de uma frase excelente mesmo que não saibam do contexto de angustiante despedida que me forçava:

Perco um grande amor, mas não perco a poesia.

notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.