12.8.06

- Qual o seu nome?
- Por que pergunta?
- Fui com a sua cara. Só por isso.
- Também fui com a sua cara. Eu já te vi por aí antes.
- Eu também já te vi antes, só não havia prestado atenção. Não foi uma vez apenas.
- Qual é o seu nome?
- Você aceita um café?
- Sim, um pouco amargo.
- Você quer dizer um pouco doce?
- Isto.
- Já está quase na minha hora, foi bom conversar contigo.
- Qual é sua hora?
- Daqui um minuto ou mais. Uma hora eu tenho que ir, infelizmente. Uma hora você também irá, não é verdade? Está agradável, mais terei que ir.
-Tua hora poderia demorar mais, para mim também está agradável aqui, e nem nos conhecemos. Vai ver é porque somos desconhecidos que aqui está agradável.
- Sim, e que quero que a minha hora demore um pouco mais para chegar, na verdade quero que seja a hora que eu quiser, segundo a minha vontade. Está bom aqui.
- Se nós nos conhecêssemos, poderíamos ir embora agora e nos encontrar depois, onde quisermos a hora que quisermos, segundo a nossa vontade. E também seria bom.
- Não sei. Momentos como este são raros, nossa vontade não pode tornar bom tudo a qualquer hora. Há tanta coisa na minha cabeça... Esta tranqüilidade na qual conversamos é só uma exceção e por isso que quero esticá-la e que não saiba o meu nome e que eu não saiba o seu. Não há ainda nada que nos ligue que não a vontade de estarmos aqui. É difícil de não achar que poderemos repetir a dose sempre que quisermos, o que nunca acontece. Cria-se expectativa e nada sai como se espera. Vamos deixar isto como uma boa lembrança, certo?
- Concordo que tudo nos foge, que parece que tudo já está dado, que temos de nos submeter a coisas que levam as pessoas a lugar algum.
- Como assim?
- Veja nós. Eu não estaria aqui se não te visse antes, na verdade sentei aqui na esperança que viesse cá por qualquer motivo que seja. E por sorte veio. Vim para cá segundo a minha vontade, mas não sei dizer por que a minha vontade lhe quis. A minha vontade sou eu, alma e carne. Sou apenas vícios e devo estar te tomando como mais um. E quando penso nisso tudo não consigo achar espaço para a vontade... Mais o que importa? Não me arrependo de esta aqui mesmo que os vícios tenham me guiado até esta mesa vermelha. Aqui está bom. Se sempre começamos errados, que erro seja segundo a minha vontade, segundo eu. Aproveitemos antes que as coisas pereçam, porque inexoravelmente perecem.
- E se perecesse ainda seria bom. Imagine que você pudesse acordar amanhã e sentir que nunca mais nos veríamos. Este momento, este momento agradável, nunca mais existiria entre nós. Talvez não mais se lembrasse dele ou talvez lembrasse uma vez ou outra ou sempre. Como você o lembraria?
- Belo.
- É isto que quero dizer. Se amanhã nos víssemos e depois e depois... Até quando acha que seria sempre belo. Falo da rotina, falo das convenções, falo dos atritos, do meu humor, da minha tristeza, falo de quando eu ficar só, de quando eu precisar de você, de quando eu quiser fugir do mundo. Aqui neste momento há só vontade, “nós” como você disse, mas não durará para sempre. Se eu pudesse estaria sempre aqui assim contigo sorrindo e lhe contado o que vejo de bom nas coisas. Mas olhe para aquele relógio! Há coisas maiores do que nós, que ocupam todo espaço e que podemos ver facilmente e também há coisas tão pequenas que estão por todo espaço e que jamais veremos. Não espaço para nós.
- Não posso concordar com o que disse. Não porque não seja plausível o que diz, mas porque não acredito. Não vou repetir o discurso habitual que todos repetem sem pensar no que dizem de que temos que tentar sempre. Olhe aquele relógio... Em pouco tempo terei que ir almoçar, terei que tirar dinheiro do bolso, depois ir para o ponto, depois trabalhar e depois encher a cara porque não tenho nada de melhor para fazer, para esquecer um monte de coisas que me massacram todos os dias. Não consigo encontrar um sentido para tudo isto. Às vezes, melhor, quase sempre me dá vontade de acordar bem cedo e sair andado e nunca mais voltar. Não acredito que isso seja melhor do que a vida ordinária, mas a questão que me perturba é porque não o faço. De onde vem este medo de não tentar largar esta miséria? Talvez porque eu não seja tão eu assim, mas não importa. No entanto, de onde vem este impulso de não aceitar as coisas e acreditar que há reciprocidade em algum ponto. Ainda falo de vontade, isto que não sei o que é e nem o que pode e que me trouxe para junto de ti. Você não sente?
- Não sei. Talvez esse impulso seja só um sonho e não brote em ninguém e que seja apenas um mera agitação.
- Não acredito. Veja aquele relógio! A sua hora já passou. Se você pudesse ver como é belo o seu sorriso agora, segundo a sua vontade. E toda essa nossa conversa? Olha o que criamos ao conversar... segundo a nossa vontade.
- Talvez tenha razão, mas o mundo não se resume apenas a nós dois. Mas como você disse, que importa?
- Qual o seu nome? Se não disser jamais poderei descobri-la. Jamais poderei ter essa conversa comigo.

8.8.06

E lá parece tudo em paz
De branco lendo naquela mesa da frente, onde todos podem ver
Concentração e a mão sob o queixo daquela forma de sempre e sempre

E esta música ao fundo é calma
Aqueles signos que me levam a escrever e que penso que já escrevi
A tristeza habitual, a poesia habitual, o cansaço habitual,
O hábito de habituar-me sempre a ti

Os desencontros face a face
As bobagens ditas e esquecidas
As cartas lidas, compreendidas e não respondidas
Sempre um novo ponto em comum: jazz

E lá tudo parece paz
Todos podem ver naquela mesa de frente a poesia habitual
A concentração e os signos de sempre e sempre

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notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.