11.6.06

Hoje questionei se alguém passa por aqui. Depois, por que passariam? E se passarem, coloco outra questão: o que quero que lêem? Não escrevo somente para mim pensando "que se fodam os outros". Os outros referidos por mim são bem poucos.

Gosto de citar Fernando Pessoa porque gosto de Fernando Pessoa e sei que pessoas que me visitam também gostam, uma delas é Carine. Procuro escrever para ela e para os outros, como se eu, como um eu, pudesse fazer esta escolha livremente. Certa vez João, melhor, João Ivo, já que existem muitos Joãos ou Joões ou Jãos, disse que Nietzsche disse que há certas pessoas que habitam as nossas cabeças. Nossas escolhas, ou palavras, também são ditadas por elas.

Certa vez escrevi um texto que começava assim: "Este texto será revisto por toda nossa vida". A pretensão era deixar as palavras fluirem segundo, unicamente, eu. Escrevi uma primeira vez e não gostei. Um pequeno detalhe me chamou atenção: estava escrito em primeira pessoa mas não era um eu que estava ali, só a forma consagrada de um texto poético. É muito complicado admitir que nos censuramos por coisas e pessoas que talvez nem saibam que existimos. Também nos censuramos por coisas e pessoas que queremos que nos percebam como existentes. Acabamos por escrever a 4, 8, 12, 20, milhares de mãos. Nos anulamos quando queremos agradar muitas pessoas, nos tornamos rasos quando tentamos emergir para onde está quase todos*. Dificilmente há como se desvencilhar do que se é, que não sei o que é mas sei que sou, do que se quer ser, mesmo tratando-se do que se quer ser aos olhos alheios.
Reescrevi o texto, eu e ela que também me habita. Ela? Deixar de citar nomes também é uma forma de nos anular, nos tornamos ainda mais vagos e mais imunes aos que nos podem trair com nossas palavras.

Neste exato momento um furacão que passou pela minha vida e que hoje mal vejo e que ainda me vem todas manhãs, exatamente quando acordo, me leva a querer encontrar algum meio de sensibilazá-la, impressioná-la e convencê-la. Patético, insisto em escutar Vinícius e imaginar que dele posso extrair as palavras que me faltam quando quero responder ao que ela escreve, e ainda mais patético me descubro quando insisto em achar que eu habito a sua escrita. Este rídiculo desejo de escutar de sua pequena boca que se torna larga ao sorrir, ao ponto dos olhos quase se fecharem, umas poucas palavras que para mim são todas que dela, espero, faz-me obstinado. A quase certeza de que nada do que eu escrever servirá para que ela me abra a sua porta e me acolha é o que me joga nessa labuta desesperada e querida.
Quase certeza é quase o mesmo de não ter certeza alguma e isso, que me é tão certo, me alimenta.


*O homem inteligente aspirará, antes de tudo, à ausência de dor, à serenidade, ao sossego e ao ócio, logo, procurará uma vida tranquila, modesta e o menos conflituosa possível; por conseguinte, após travar algum conhecimento com aqueles que chamamos de homens, escolherá o reatraimento e, no caso de um grande espírito, até a solidão. Pois, quanto mais alguém tem em si mesmo, menos precisa do mundo exterior e menos também os outros lhe podem ser úteis. Por isso, a eminência do espírito conduz à insociabilidade. Sim, se a qualidade da sociedade pudesse ser substituída pela quantidade, valeria a pena viver até no grande mundo, mas infelizmente cem néscios empilhados não dão um único homem razoável. Já aquele que está no outro extremo, assim que a necessidade lhe permitir recobrar o ânimo, procurará passatempo e companhia a qualquer preço, e a tudo se acomodará facilmente, de nada fugindo a não ser de si.

Pois é na solidão, onde cada um está entregue a si mesmo, que se mostra o que ele tem em si mesmo. Nela, sob a púrpura, o simplório suspira, carregando o fardo irremovível da sua mísera individualidade, enquanto o mais talentoso povoa e vivifica com os seus pensamentos o ambiente mais ermo. Portanto, é bastante verdadeiro o que dizia Séneca: Toda a estultice sofre com o seu próprio fastio, bem como a sentença de Jesus, filho de Sirac: A vida do néscio é pior que a morte. Assim, no todo, acharemos que cada um será tanto mais sociável quanto mais pobre for de espírito, e, em geral, mais vulgar.

Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'

notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.