26.4.08

Sente o chão se mover mais o seu corpo não se move. Isso não causa perplexidade. Nem ao menos abre os olhos para ver o que se passa sob seu corpo. Aperta mais a terra com as mãos quase machucando os dedos. Sente o movimento da terra como sentimos a nossa pulsação. Seria válida a pergunta sobre a continuidade do seu corpo e a terra como uma união entre pedaços de uma única coisa. Não seria válida a pergunta sobre se a continuidade era entre carne e terra. Carne e terra são coisas que a diferença é tão elementar que ninguém colocaria em questão de serem capazes de interagirem como células de um mesmo corpo. Mas a questão que se coloca é: só é passível este tipo de interação entre partes de um mesmo corpo? É plausível supor que coisas tão distintas quanto carne e terra podem estar numa relação de interação como a dos órgãos de um corpo? Apesar de possuir um senso para interrogações desse gênero, não as faria jamais naquele momento e por um motivo muito simples: para ele não havia qualquer dúvida. Não havia terra abaixo de seu corpo. Não havia “ele” como pessoa que sentia que seu “corpo” se expandia sem nenhum limite. Havia unicamente uma experiência, uma certeza. Em momento algum percebeu que seu corpo se adentrava à terra e que pequenos montes de terra e de cascalho grosso soerguiam a sua volta pelas simples razão que dois corpos não ocupavam o mesmo lugar. Em minutos aquela lenta e dolorida experiência o havia deslocado por metros abaixo da superfície do solo. Ainda não havia perplexidade. Olhou para cima e viu o céu imensamente estrelado e quis vê-las melhor, era tão belo aquele pedaço do universo. Agora seu corpo era erguido. Passou do nível da superfície e continuou subindo. Estava já a dezenas de metros de altura. Estava em um ponto em que podia ver todo o vale escuro, as casas distantes. Podia subir o tanto que quisesse. Sua tristeza foi se transformando em uma pequena satisfação, e a satisfação foi se transformando em euforia. Em um dado momento toda a plataforma de terra, rocha e cascalho o levou na direção do ponto mais alto da serra. “Eu poderia saber que posso tanto se jamais a tivesse conhecido?”, não ousou uma resposta. “Devo contar a alguém?”, não conseguiria segurar por muito aquele segredo. “Isso tudo não é apenas minha cabeça, tenho certeza” – melhor, a certeza o impede de qualquer questão. O tempo estava aberto e queria permanecer naquela serra até amanhecer. Se sentia a serra. Se sentia maior. Se sentia forte. “O que mais posso?” Colocou a mão novamente sobre a terra e fez erguer uma imensa torre de rocha a quilômetros de onde estava. Foi tão simples quanto levantar o braço.

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notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.