4.5.07

Habitualmente aquele pedaço de mata não é tão verde a esta hora. Sua cor é a do crepúsculo. Mas hoje não. A serra está mais azul mesmo não mais distante. Certamente vou lembrar deste dia por causa do verde da mata. E vou lembrar de que gostaria que você estivesse comigo neste momento para ver o quanto é diferente dos outros dias o dia de hoje por causa do verde diferente. Diria que era porque estava comigo a causa da diferença mesmo sabendo que o mundo é alheio a nós. E apelaria para a minha percepção como explicação e certamente influenciaria a sua percepção de que o verde era único. Bem, falaria por fim de “momento”, e momentos. Eu te apertaria forte e a dureza de minhas mãos morreria em seus cabelos.

9.4.07

Que permanece tal como nasceu.
Que mais que esta aflição, há a esperança de que não seremos em vão.
Que mais que o medo de ser parvo, o medo de nunca te ter.

O que mais posso dizer para você?

Que fique contente ao ler o que tenho por você.
Que quero que os seus olhos estejam me dizendo que me quer.
Que por todos estes dias espero a sua palavra, e com a sua palavra a tristeza seja menor.



ps Tenho medo de chorá-la o resto da minha vida e sorrio de tão que bobo sou.

6.4.07




















Espero que algo me surpreenda em mais uma noite interminável de leitura.
Para que ela, a leitura, não se torne mais uma desculpa para quem quer se pôr do lado de fora do mundo.

24.3.07

"Começo, isto é, gostaria de começar minhas memórias no dia 19 de setembro do ano passado, precisamente no dia em que pela primeira vez encontrei...

Mas explicar quem encontrei, assim de antemão, quando ninguém sabe nada, será vulgar; mesmo êste meu tom, creio, é vulgar: depois de ter jurado a mim mesmo evitar os ornamentos literários, eis que quebro meu juramento logo na primeira linha. Além disso, para descrever de maneira sensata, basta-me querê-lo. Salientarei ainda que não existe, acredito, uma língua européia tão difícil de se escrever quanto o russo. Acabo de reler o que escrevi agora, e vejo que sou muito mais inteligente do que isso que está aí escrito. Como se explica então que as coisas enunciadas por um homem inteligente sejam infinitamente mais tôlas que o que permanece em seu espírito? Já notei isso mais de uma vez em mim e em meu comércio oral com os outros homens durante todo êste último ano fatal, e tal fato me atormentou bastante.

Embora comece no dia 19 de setembro, direi no entanto em duas palavras quem soou, onde estive antes desta data e em seguida o que podia ter em mente, pelo menos parcialmente, naquela manhã de 19 setembro, para que isto seja mais inteligível ao leitor, e talvez também a mim."


O ADOLESCENTE, F. M. Dostoiévski

17.3.07

O outro canto de dança

1


“Em teus olhos olhei, de pouco tempo, ó vida: vi ouro luzir na noite de teus olhos ─ parou meu coração dessa volúpia.

─ dourado barquinho vi luzir em águas noturnas, um flutuante, dourado barquinho a submergir, a embarcar água, novamente a acenar!

Para o meu pé, frenético pela dança, lançaste um olhar, um ondeante olhar, sorridente, indagador, enternecedor.

Duas vezes somente, com mãos pequenas, bateste as tuas castanholas ─ e já o meu pé se agitava no frenesi pela dança ─

Meu calcanhar se empinava, os dedos do pé escutavam atentos para compreender-te: pois o ouvido, o dançarino ─ o tem nos dedos do pés!

Pulei para ti ─ mas recuastes e fugiste ante o meu pulo; e açoitaram-me as línguas volantes do teu cabelo em fuga!

Pulei para longe de ti e das tuas serpentes; e já lá estavas tu, voltada pela metade, o olhar cheio de desejo.

Com sinuosos olhares ─ ensina-me sinuosos caminhos; em sinuosos caminhos aprende o meu pé – a astuciar!

Temo-te de perto, amo-te de longe. A tua fuga me atrai, se me procuras, estaco; ─ sofro, mas quem não sofreria de bom grado por ti!

Ó tu, cuja frieza incende, cujo ódio fascina, cuja fuga enlaça, cujo escárnio ─ comove:

─ quem não te odiaria, ó grande enlaçadora, enredadora, sedutora, tentadora, exploradora, descobridora! Quem não te amaria, inocente, impaciente, pecadora com olhos de criança apressada como o vento!

Para onde me arrastas, agora, indomável portento? E agora voltas a fugir de mim, amável e ingrata traquinas!

Eu te acompanho na dança, sigo as tuas menores pegadas. Quem és? Dá-me a mão! Ou, mesmo, somente um dedo!

Aqui há cavernas e matas: iremos extraviar-nos! ─ Alto! Detém-te. Não vês voejarem corujas e morcegos?

Ah, coruja! Ah, morcego! Queres zombar de mim? Onde estamos? Aprendeste-o dos cães, este uivar e ganir.

Graciosamente me arreganhas os teus dentinhos brancos; por entre ondeadas melenas, investem contra mim os teus olhos malvados.

É uma dança desenfreada; eu sou o caçador ─ queres ser o meu cão ou meu cabrito montês?

Fica a meu lado, agora! E depressa, malvada saltadora! Agora, sobe! Para a outra banda! ─ Ai de mim! Eu mesmo caí ao saltar!

Olha-me jazendo no solo, ó temerária, e pedindo mercê!

Gostaria de ir contigo ─ por sendas mais suaves!

─ pela senda do amor, por entre moitas silenciosas e coloridas! Ou, então, lá embaixo, ao longo do lago, onde nadam e dançam peixes dourados!

Estás cansada, agora? Há, por lá, ovelhas e rubros crepúsculos; não é bonito dormir ao som de flautas de pastores?

Sente-se assim tão cansada? Eu te levo até lá, deixa apenas cair os braços! E, se estás com sede ─ eu teria alguma coisa, mas a tua boca não quer beber! ─

─ Oh, essa maldita cobra e bruxa, ágil, flexível, escorregadia! Para onde fostes? Mais sinto no rosto dois leves toques e duas rubras manchas da tua mão!

Eu, sim, estou realmente cansado de ser sempre o mais parvo dos teus pastores! Se, até aqui, cantei para ti, bruxa, deve tu, agora ─ gritar!

Ao compasso do meu chicote deves dançar e gritar! Terei esquecido o chicote? ─ Não!”


Zaratustra, F. Nietzsche


uma palavra ilegível

11.3.07

O Haver - Vinicius de Moraes (participação de Edu Lobo)

Não tem muito tempo que experimentei fazer um pequeno video com um poema de Vinicius.
É um poema que volta para mim de tempos em tempos como tudo que amo e deixo escorrer pelas
mãos que nunca agarram.
É um video simples e simples.

26.2.07

"Música”, sorrindo peço para o escuro.
Como um pequeno sorriso agradeci pela a escolha dele: Mystique.

Num velho quarto num velho casarão. O lustre no teto que não acende.
Sem sono, desci para a cozinha. Perto do filtro de barro estava uma garrafa bronze a olhar-me. Perguntou-me por que a esqueci e respondi ironicamente: “Ainda não sabe que ela me abandonou?” A cachaça: “Prove-me e me diga..." Viu que permaneci distante e sem intenção de tomá-la. Depois de alguns segundos continuou: "Sua memória é tão fraca! Certa vez, e não faz muito tempo, tornei-a para ti tão bela, tão bela como me pediu. Quando ela negou a ti os seus cachos a dor preencheu o seu peito e só o ódio conseguiu comprimi-la. Inutilmente vagueou pela possibilidade de negá-la. Você dizia: "Como posso amar o meu o próprio algoz! É possivel alimentar amor por quem te massacra e te faz ver-se como fraco?" Parece que foi ontem... Quis que eu ajudasse a aceitar essa 'contradição', como disse em suas palavras, e eu te mostrei que não há 'contradição' alguma. O que são as pedras? Elementos condensados de uma maneira. Há pedras que nossa imaginação jamais dará conta. As que mais se aproximam de nossos ideais chamamos de preciosas. |ainda vou acabar este texto, quando o sono me permitir|Ela voou, mais alto que qualquer altar. Lembra que seus cânticos que antes tornaram-na tua, que celebravam a existência que ambos trouxeram à vida tornando-se até a própria vida!, quiseram tornar-se tudo? Quiseram ser ato! O mundo é tão grande e tuas palavras tão ínfimas. Ainda me lembro quando me disse: ‘Preciso de ti para fazê-la mais bela, menos humana! Quero amar e não sofrer!’ Simplesmente virou-me em seu corpo. Eu, cachaça, que posso fazer? Posso traduzir seu desespero em sonhos, fazer seus passos o do dançarino e sua dança única, mas jamais transformar o mundo para além da sua retina. Como foi tolo em achar que eu duraria para sempre em suas veias!, que eu, volátil, lhe daria por anos a fio todos os versos que queria! E além de tudo, quem amaria um ébrio? Logo que descobriu quem é, deixou-lhe um adeus.”
Levei a garrafa para o quarto e dormimos.

notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.