25.6.06

Vamos ser simples e diretos como ninguém é?

Nós nos lemos.
Nós falamos de solidão.
Não acreditamos em nada que é belo demais para ser verdade.
Nós nos sabemos de cor, de cordis, by heart, par coeur.

E o tempo? Este passa, inexoravelmente.

E apesar de tudo, nada muda...
nem mesmo quando deixo uma carta sobre a sua mesa.

E por mais estranho que pareça,
aindo guardo o sorvete que tanto faz o sabor e que te ofereci.

Não há problema em ser tão geniosa, mas por que tão complicada?

19.6.06

Uma maior solidão
Lentamente se aproxima
Do meu triste coração.

Enevoa-se-me o ser
Como um olhar a cegar,
A cegar, a escurecer.

Jazo-me sem nexo, ou fim...
Tanto nada quis de nada,
Que hoje nada o quer de mim.

Fernando Pessoa, 23-10-1931

11.6.06

Hoje questionei se alguém passa por aqui. Depois, por que passariam? E se passarem, coloco outra questão: o que quero que lêem? Não escrevo somente para mim pensando "que se fodam os outros". Os outros referidos por mim são bem poucos.

Gosto de citar Fernando Pessoa porque gosto de Fernando Pessoa e sei que pessoas que me visitam também gostam, uma delas é Carine. Procuro escrever para ela e para os outros, como se eu, como um eu, pudesse fazer esta escolha livremente. Certa vez João, melhor, João Ivo, já que existem muitos Joãos ou Joões ou Jãos, disse que Nietzsche disse que há certas pessoas que habitam as nossas cabeças. Nossas escolhas, ou palavras, também são ditadas por elas.

Certa vez escrevi um texto que começava assim: "Este texto será revisto por toda nossa vida". A pretensão era deixar as palavras fluirem segundo, unicamente, eu. Escrevi uma primeira vez e não gostei. Um pequeno detalhe me chamou atenção: estava escrito em primeira pessoa mas não era um eu que estava ali, só a forma consagrada de um texto poético. É muito complicado admitir que nos censuramos por coisas e pessoas que talvez nem saibam que existimos. Também nos censuramos por coisas e pessoas que queremos que nos percebam como existentes. Acabamos por escrever a 4, 8, 12, 20, milhares de mãos. Nos anulamos quando queremos agradar muitas pessoas, nos tornamos rasos quando tentamos emergir para onde está quase todos*. Dificilmente há como se desvencilhar do que se é, que não sei o que é mas sei que sou, do que se quer ser, mesmo tratando-se do que se quer ser aos olhos alheios.
Reescrevi o texto, eu e ela que também me habita. Ela? Deixar de citar nomes também é uma forma de nos anular, nos tornamos ainda mais vagos e mais imunes aos que nos podem trair com nossas palavras.

Neste exato momento um furacão que passou pela minha vida e que hoje mal vejo e que ainda me vem todas manhãs, exatamente quando acordo, me leva a querer encontrar algum meio de sensibilazá-la, impressioná-la e convencê-la. Patético, insisto em escutar Vinícius e imaginar que dele posso extrair as palavras que me faltam quando quero responder ao que ela escreve, e ainda mais patético me descubro quando insisto em achar que eu habito a sua escrita. Este rídiculo desejo de escutar de sua pequena boca que se torna larga ao sorrir, ao ponto dos olhos quase se fecharem, umas poucas palavras que para mim são todas que dela, espero, faz-me obstinado. A quase certeza de que nada do que eu escrever servirá para que ela me abra a sua porta e me acolha é o que me joga nessa labuta desesperada e querida.
Quase certeza é quase o mesmo de não ter certeza alguma e isso, que me é tão certo, me alimenta.


*O homem inteligente aspirará, antes de tudo, à ausência de dor, à serenidade, ao sossego e ao ócio, logo, procurará uma vida tranquila, modesta e o menos conflituosa possível; por conseguinte, após travar algum conhecimento com aqueles que chamamos de homens, escolherá o reatraimento e, no caso de um grande espírito, até a solidão. Pois, quanto mais alguém tem em si mesmo, menos precisa do mundo exterior e menos também os outros lhe podem ser úteis. Por isso, a eminência do espírito conduz à insociabilidade. Sim, se a qualidade da sociedade pudesse ser substituída pela quantidade, valeria a pena viver até no grande mundo, mas infelizmente cem néscios empilhados não dão um único homem razoável. Já aquele que está no outro extremo, assim que a necessidade lhe permitir recobrar o ânimo, procurará passatempo e companhia a qualquer preço, e a tudo se acomodará facilmente, de nada fugindo a não ser de si.

Pois é na solidão, onde cada um está entregue a si mesmo, que se mostra o que ele tem em si mesmo. Nela, sob a púrpura, o simplório suspira, carregando o fardo irremovível da sua mísera individualidade, enquanto o mais talentoso povoa e vivifica com os seus pensamentos o ambiente mais ermo. Portanto, é bastante verdadeiro o que dizia Séneca: Toda a estultice sofre com o seu próprio fastio, bem como a sentença de Jesus, filho de Sirac: A vida do néscio é pior que a morte. Assim, no todo, acharemos que cada um será tanto mais sociável quanto mais pobre for de espírito, e, em geral, mais vulgar.

Arthur Schopenhauer, in 'Aforismos para a Sabedoria de Vida'

9.6.06








Malevich, Kasimir: Suprematist Painting
1917; Oil on canvas, 96.5 x 65.4 cm (38 x 25 3/4 in); The Museum of Modern Art, New York

4.6.06

Trecho de uma carta ainda por ser terminada

1. Bem, de súbito lembrei, como ocorre em qualquer tipo de lembrança, que eu disse que lhe enviaria um e-mail. Talvez você não lembre assim como eu não lembrava até há pouco. Eu poderia ficar por aqui e deixar apenas a idéia da vontade que me/nos ataca de súbito, após uma lembrança ainda mais súbita; em um momento há um nada e no outro você.
2. Mas o que escrever? Nunca lhe escrevi nada e isso é para mim um problema. O que há é só a vontade de lhe escrever, até agora. É um problema porque escrever não é só encadear um monte de palavras que eu conheço segundo um monte de regras que conheço pouco. Primeiro ponto: acho que escrever é descrever. É a primeira vez que lhe escrevo e a primeira vez que tento enunciar uma premissa. Interessante, mas o que irei deduzir daqui? Enunciar premissas, axiomas e monte de coisas do gênero é muito fácil se você dá como terminado, aí, a sua reflexão e se esquece dos comprometimentos que todo ato implica. E mais do que normal dizer nossas convicções e ignorar as conseqüências. Quantas vezes escutou em sua vida “eu te amo”? Não é disto que quero falar agora. Passamos para um novo dia neste exato momento. Estou em frente de um monitor. Faz frio. Digito um e-mail para você. Você é uma pessoa que gosto. Quanto a isto não tenho dúvida e posso falar disto com segurança. Quanto ao que se segue não posso ter certeza: como irá tomar o que eu escrevo, já que não lhe conheço tanto. É tentador achar que posso escrever algo que considero agradável e lhe agradar. De imediato e sem pensar muito quase sempre resolvo esta questão pulando do subjetivo para o público. “E, como o inútil cadáver do vulgar à terra comum, baixa ao esquecimento comum o cadáver igualmente inútil da minha prosa feita a atender.” Eis o meio termo imbecil, as regras de sociabilidade, que possibilita a multidão de desconhecidos, que você não gosta, sobreviverem sem se matarem. Temos ordem e sorrisos formais. Sinceramente, não será eu que irei lhe em enviar palavras que todos compreendem e que sempre nos são estranhas. Não aceito o que sei de você, que é linda e gentil, seja você; não aceito o que tomamos sem ter dúvida, “que é linda e gentil”, seja você; Mas aceito que você, seja você. Quando você diz, com a sua voz, olhos, corpo, que está cansada e precisa dormir, compreendo de imediato. Se eu disser a um amigo, mesmo com as suas palavras, que você está cansada e precisa dormir muito provavelmente ele compreenderá. Mas o que eu compreendi, olhando com atenção para você, será o que ele entendeu pelo o que as pessoas entendem por estar cansado e com sono? Claro que não. Eu e ele, quando nos referimos a você, conhecemos a mesma pessoa, você? Não. E teus amigos ainda mais próximos do que eu, te conhecem mais? E teus pais e irmãos, te conhecem ainda mais do que seus amigos mais próximos do que eu? Que confusão, não é verdade? Há tanto que eu queria dizer ainda, mas meu falta rigor. Corro o risco de que você não me compreenda, ainda mais quando tudo o que está escrito foi escrito segundo fins que sinto mais não consigo dizer. Mas o que escrever para você?

notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.