30.3.06

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer nao gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podiamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento -
Este momento em que sossegadamente nao cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-as de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.

Ricardo Reis, 12-6-1914

15.3.06

Lápis n.º 2

O senhor SAK se utiliza de abrãao para trabalhar a angústia. Bem, não creio em Abraão. A descricão do Sr. SK, entretanto, é por mim aceita. A minha questão é se realmente existiu algum ser que possa ser um exemplo de alguém, não Abraão, que tenha passado por tais provações – e daí ser de fato possível, e se tal angústia, por falta de outro Indivíduo, não seja senão a angústia de K, plausível por sua vida.
Às vezes digo que estou angustiado, e de alguns meses para cá se tornou um estado contínuo. “Como você se sente então?” Não sei dizer. Habituei-me a dizer “hoje não tô legal” e quando digo já sei que é o que está ocorrendo. Por que "hoje não tô legal"? Me aventuro à escrita, e vejo no que dá. Construir por minhas próprias mãos uma explicação, por este tipo de via, para mim já é suficiente quando desejo alguma, apesar de que, vão por mim, nehuma resolveu nada, até pelo contrário, criaram coisas que não existiam. E a esse feito da minha imaginação, feita com a imensa ajuda de imaginações alheias, devo boa parte do que me transformei, nisto que digo de forma sem muito objetividade ou precisão maior, um angustiado. Creio que eu era menos angustiado quando não conhecia a poesia. A poesia, no meu caso e sempre no meu caso, faz necessariamente pensar, que idéias em torno da beleza, da paz de espírito, paixões jamais interrompidas e milhões de coisas. Potencializa um germe anterior a ela. Assim como outras formas de linguagem o fazem – mas não é o quero falar aqui. Faz com que coisas que vão muito além do nosso mundo prático viessem a ser imaginadas, e quanto mais poderosa a imaginação de seus artífices, que quando mais extravagantes são, são mais distantes de qualquer forma de realidade possível e concreta, mundos literalmente criados, com seus “dever-ser” que são quimeras, dada a sua imaterialidade. Minha posição se mostra falaciosa: alguém que nunca está bem consigo, procura outras coisas que o ajudem a sair do não-estar-bem-consigo e ir diretamente para o estar-ainda-pior-do-que-não-estar-bem-consigo e disso ir para o algo pior ainda, até dar conta de que se ficar pior ainda se torna cômico, e aí volta-se para o não-estar-bem-consigo, porque lá é no mínimo mais digno. E tudo começa novamente. Em algumas pessoas um “B” qualquer já é motivo para se começar o processo, fase fútil que já superei e ilustrativa das frivolidades que nos condicionam. Agora, sobre o que me faz despencar ao cômico não abordarei aqui – se bem que informações a respeito não faltem por aí.
Falando sério, o que pode ser a angústia se jamais serei um Abraão e nem em Deus acredito. E existe tal coisa? Há algum ethos com o qual eu, Luciano Mattar, devo me defrontar? Ethos?
Outro dia eu trabalho isso.

14.3.06

Não tem muito tempo que um amigo se aproximou de mim e disse com uma voz muito tímida: “O Zezé finalmente deu sussego pra mãe” e depois sorriu. Seus olhos vermelhos ficaram lindos porque estava sorrindo. Zezé era para ele como um irmão. Isso já faz alguns anos.
Lembrei disso porque há pouco li a angústia de alguém que não sabe que leio a sua angústia e que acredita esconder os seus olhos vermelhos atrás de um gracioso sorriso e que certamente não mente em relação à beleza do seu sorriso.

Ei de falar novamente do meu amigo e da bela moça.

8.3.06


Me And My Bass Guitar
Victor Wooten

My name is vic i'm gonna do a lil trick
i'm gonna play my bass without usin a pick
travel round the world and back again
just takin my bass out for a spin

if you know what i'm sayin

and if you ever lookin for me
i don't go too far
cuz if you really wanna find me
you know where i are

with me and my bass guitar

you say it

me and my bass guitar

that's right

you see i try to eat right
take care of my health
set myself up don't upset myself
cuz i improvise call and add lib
and if you ever come to my house
i'll tell you what you see
a house full of nothin
just my four strings and me

and if you ever lookin for me
i don't go too far
cuz if you really wanna find me
you know where i are

with me and my bass guitar

yea you say it now

me and my bass guitar

that's right

get up off of that funk
get up off of that uhh (yea)
get up off of that funk
get up off of that uhh
get up off of that funk
get up off of that uhh
get up off of that funk
get up off of that uhh

yo vic do that uh do that yea
me and my bass guitar
thats right just my four strings and me
me and my bass guitar
if you lookin for me you know where i am
just me and my bass guitar
yep thats right
me and my bass guitar
hate to leave ya but i got to go
me and my bass guitar
got to go
me and my bass guitar
me and my bass guitar
we're really havin fun now
me and my bass guitar
me and my bass guitar
thats right thats right yea turn it back up
turn it back up
we still goin
don't turn it down
a jigga bug a jigga bug a jig jig jigga bug (repeat)
yeeeha
got my complection goin in my direction
what you call me?
cut throat minor note

http://www.victorwooten.com

7.3.06

A pergunta idiota é o primeiro vislumbre de algum desenvolvimento totalmente novo

Alfred North Whitehead

5.3.06

Em toda parte são máquinas, de maneira alguma metaforicamente, máquinas de máquinas, com seus acoplamentos, suas conexões. Um máquina-órgão é ligada em uma máquina-fonte: uma emite um fluxo que a outra corta. O seio é uma máquina que produz leite, e a boca, uma máquina acoplada nela. A boca do anoréxico hesita entre uma máquina para comer, uma máquina anal, uma máquina para falar, uma máquina para respirar (ataque de asma). É por isso que somos todos bricoleurs, cada um suas pequenas máquinas. Uma máquina-órgão para uma máquina energia, e sempre fluxos e cortes. (...) Alguma coisa se produz: efeitos de máquinas, e não metáforas. (Deleuze & Guattari, 1976, p. 15-16)

notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.