23.11.05

Interessante, só eu embarquei! Mas eu não dei o sinal. Dificilmente eu o daria sem perguntar, a outra pessoa que estivesse no ponto, qual o melhor ônibus para mim, já que eu não conheço nenhum neste lugar. Só consegui identificar o destino deste, numa placa fixada na dianteira, quando já passava por mim e foi por isso que corri atrás para pegá-lo, a uns metros à frente, sem entender por que parou. Mas como entender, se só eu e aquele velho estávamos no ponto, e ele mais preocupado em chupar a laranja do que observar os ônibus? Por que o motorista pararia sem ao menos eu sinalizar? Será que eu o conheço? Não, não o reconheço. Será que ele me conhece? Mesmo que conhecesse, o que não é o caso, não poderia saber para onde eu ia, nunca fui daqui para lá; para falar a verdade, nunca vim para estes lados antes. E o trocador, poderia ter dito algo se não estivesse tão preocupado em jogar conversa fora com aquela menina, ao mesmo tempo que ela lhe mostrava os seus cadernos? Engraçado, o motorista parou novamente sem que o homem que sentou lá na frente desse algum sinal e parece que também não se conheciam. Mas não é isto o que ocorreu? Ele parava nos pontos onde as pessoas não deram o sinal e aguardava até que um indeciso ou alguém com atenção dispersa entrasse; por incrível que pareça, sempre alguém entrava. Parece que sabe que estão lá, como se pudesse ver nos olhos das pessoas o que esperam! Ou talvez seja a experiência de um motorista treinado, ao ponto de saber que estará em um ponto um jovem que nunca lá esteve, e que provavelmente nunca o viu, e um velho sem vontade de sair do lugar, pelo menos enquanto saboreia a sua laranja - provavelmente comprada no carrinho perto do pronto-socorro. E se fosse um motorista gentil, o que é raro? Normalmente motoristas cortam pela esquerda em alta velocidade, quando ninguém acena antes do ônibus chegar ao ponto. Ele não deu um arranco sequer, sempre manteve a mesma baixa velocidade e sem sair da sua faixa, respeitou todos os cruzamentos, esperou que cada passageiro descesse com calma. Louvável, mas demorado; tenho pressa, muita pressa. Tudo bem quanto a ser o bom motorista, do tipo que segue as normas, mas só preciso dele quando estou na faixa de pedestre. “Tira o pé do meu almoço motor...”; o cidadão do banco de trás reclama impaciente o que eu gostaria de já ter dito. Imagino que todos estranhavam e condenavam os cuidados do motorista com os que estão dentro e fora do carro; uma senhora apertava o terço junto ao queixo como se observasse uma malcriação, resmungando com a boca murcha. Melhor, todos menos um: a moça de cabelos cacheados olhava pela janela como se não estivesse lá, a dois bancos pro fundo na fileira oposta; seu olhar parecia-me tão calmo... quis tê-los; e quem não os desejaria? Quando a vi percebi que estava próximo do destino. Minha pressa se misturou com o incômodo e vontade de seguir a viajem até o fim para ver aonde isso vai dar. “Malditos compromissos! Até pouco tempo não precisava seguí-los, mas agora... merda!” Não podia ficar e nem descer sem compreender o que está ocorrendo. Tinha que lhe perguntar qualquer coisa para não ficar a perscrutar possibilidades; não podia esperar, estava na hora de descer. “Me desculpa, tenho que falar com o motorista. Vou pular a roleta e descer pela frente, tranqüilo?” Dei um passo longo, sem me importar com o que o rapaz disse, dirigindo-me para o único objeto da minha atenção. O barulho do motor velho abafou a minha voz quando o chamei, aí falei mais alto: “motorista!” Ele já tinha me percebido, e virou para mim com os seus olhos vermelhos de cansaço e espremidos. Quando encontrou o meu rosto, depois de tateá-lo com a vista meio cerrada, levantou as sobrancelhas enrugando toda a testa encardida como se me pedisse a questão já em parte respondida. Eu precisava chamar pelo nome “este” motorista que me descentrou por alguns minutos das banalidades que ordinariamente me ocupam, e ao procurá-lo, no seu crachá, vi o mesmo óculos de lentes fundas que estão quebradas, sobre uma flanela desbotada, largada no canto perto do acelerador. Antes de se formar um pequeno sorriso no canto da minha boca junto ao desapontamento, por mais uma vez não encontrar o que deveria ser, ou melhor, de ser só isto, olhei para trás e vi a moça de cabelos cacheados me olhando, como se ela já soubesse.

Um comentário:

Anônimo disse...

pois bem

notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.