Não dou a mínima para o natal. Mas hoje vi a minha mãe feliz ao preparar uma farofa para levar na ceia na casa de minha vô. Meus amigos me desejaram um feliz natal com aquele sorriso de sempre. Até o meu cachorro me desejou um feliz natal com o mesmo sorriso. Desta vez vou suspender o juízo.
Não há nada que eu preze mais do que sorrisos.
Não há nada que eu preze mais do que sorrisos.
"Papai Noel às Avessas
Papai Noel entrou pela porta dos fundos
(no Brasil as chaminés não são praticáveis),
entrou cauteloso que nem marido depois da farra.
Tateando na escuridão torceu o comutador
e a eletricidade bateu nas coisas resignadas,
coisas que continuavam coisas no mistério do Natal.
Papai Noel explorou a cozinha com olhos espertos,
achou um queijo e comeu.
Depois tirou do bolso um cigarro que não quis acender.
Teve medo talvez de pegar fogo nas barbas postiças
(no Brasil os Papai-Noéis são todos de cara raspada)
e avançou pelo corredor branco de luar.
Aquele quarto é o das crianças
Papai entrou compenetrado.
Os meninos dormiam sonhando outros natais muito mais lindos
mas os sapatos deles estavam cheinhos de brinquedos
soldados mulheres elefantes navios
e um presidente de república de celulóide.
Papai Noel agachou-se e recolheu aquilo tudo
no interminável lenço vermelho de alcobaça.
Fez a trouxa e deu o nó, mas apertou tanto
que lá dentro mulheres elefantes soldados presidente brigavam por causa do aperto.
Os pequenos continuavam dormindo.
Longe um galo comunicou o nascimento de Cristo.
Papa conti Noel voltou de manso para a cozinha,
apagou a luz, saiu pela porta dos fundos.
Na horta, o luar de Natal abençoava os legumes.
Carlos Drummond de Andrade"
Este poema foi publicado no livro "Alguma Poesia", Editora Pindorama, em1930, primeiro livro do autor. Texto extraído de "Nova Reunião", Livraria José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1983, pág. 24.
http://www.releituras.com/index_natal2005.asp