8.11.11

Discussão sobre desigualdade e transferências

Uma argumentação mais técnica ajuda e muito situar a discussão.

Discussão sobre desigualdade e transferências

A incapacidade de algumas pessoas de mente mais conservadora em aceitar os benefícios associados a programas de redistribuição de renda irritam-me por vezes mais que as inconsistências de teoria econômica propaladas pelo pessoal mais à esquerda. Ser contra programas como o Bolsa Família, por exemplo, além de ser errado, cria espaço para ataques que respingam sobre a credibilidade de outros aspectos da teoria econômica mainstream.
Para redistribuir, é preciso taxar, e taxação gera distorções e afeta adversamente os incentivos a produzir, investir, etc. Mais redistribuição, portanto, levaria a menos crescimento potencial com base nesse raciocínio incompleto.
O ponto é que esse é apenas um lado dos programas de redistribuição, o lado do custo. Porém, tirar recursos de quem tem mais para dar a quem tem menos pode levar a aumento do produto da economia. Ao aliviar a restrição orçamentária dos mais destituídos, a transferência de renda pode facilitar investimentos em capital físico e humano que não apenas resultam em saída da zona de pobreza para parcela da sociedade, mas também em aumento da produtividade total da economia (pois sem as transferências tais investimentos nunca ocorreriam, levando a desperdícios sob a forma de capital físico e humano que jamais se constituiriam). Esse benefício, que pode ser muito grande em países extremamente desiguais como o Brasil, é quase sempre deixado de lado tanto pelos críticos como pelos defensores dos programas de transferência, que focam quase exclusivamente na questão da equidade.
Minha impressão a partir de conversas com pessoas de ideologia conservadora é que na sua opinião “quem se esforça consegue subir na vida, sem necessitar ajuda do governo”. E os conservadores sempre tem um bom exemplo no seu círculo mais próximo para “corroborar” essa equivocada teoria.
A associação entre esforço e sucesso econômico é seguramente positiva numa amostra ampla de indivíduos, mas daí para dizer que o segundo resulta invariavelmente do primeiro é um passo enorme demais. Quem nasce na pobreza apenas com muita dificuldade consegue dela se desvencilhar. Esses relatados casos de sucesso são, na verdade, as proverbiais exceções que corroboram a regra.
A pobreza gera uma armadilha de auto-perpetuação intergeracional. Primeiro porque o capital humano dos genitores afeta enormemente o capital humano dos filhos. Segundo porque os mercados de crédito são muito pouco acessíveis aos mais pobres, dado que esses não tem colateral para oferecer em troca de empréstimos (que serviriam para financiar educação, ou pequenos empreendimentos, por ex). Terceiro porque os mais pobres, ao contrário da elite, têm menos acesso a “conexões” (no bom e no mau sentido do termo) capazes de puxar-lhes para fora da armadilha em que nasceram.
Programas de transferências de renda condicionais ajudam a afrouxar as restrições que tornam a pobreza uma armadilha para quem nela nasce. Precisamos apoiá-los e aperfeiçoá-los, não execrá-los.

Carlos Eduardo Gonçalves. Professor da FEA/USP.

notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.