7.10.06

Tu tá certo Vinícios
Acho que chegou os dias em que ela não mais iria me ler
Sem que tenha me deixado

Tu tá certo, são só inícios
Devo procurar ao menos ser fiel a mim mesmo
E aceitar a depressão como se aceita um filho

5.10.06

Parece um sapato de boneca.

A coisa diz: “Por que me chama ao invés de olhar para mim? Estou ao alcance de tuas mãos. Me abrace. Me compreenda.” Nós, a princípio dois, nos retraímos. Conhecer por um nome que possui inúmeros nomes que possuem inúmeros nomes. E a coisa ainda acena e eu te digo que ela acena, com inúmeros nomes, porque os nomes já são a sua própria expressão. As palavras que partilhamos ao nos repetirrmos possuem inúmeros nomes que são anteriores ao nosso primeiro contato. Porém damos a estes inúmeros nomes os nossos próprios inúmeros nomes porque o nosso contato é uma experiência única, um agora como agora ao me ler. Se conhecêssemos menos nomes, outros nomes, a coisa abrir-se-ia na possibilidade de ser outra. Mas entre nós poderia criar-se outra coisa? Criar? Temos tanto poder? Penso que é como um filho; é nós e não é nós. Não haveria contato se não falássemos os mesmos nomes, ou se quiser, se não residíamos num mesmo pronome. Os nomes que damos podem dizer que a coisa não exista ou seja intocável, inalcançável, e será até que nosoutros diga que assim é.

Certamente é o que quer, mais que o sexo, não acordar só. Mesmo que a boca que te tire do sono não seja a minha. Quero acordar com você do meu lado. Um frágil corpo nu que me agarre numa difícil manhã fria, que me impeça o cotidiano. Esqueceremos do mundo e retornaremos ao sono. É neste o momento que digo a vida ideal, um eterno retornar ao teu sono depois do inevitável despertar. Porém, ideal.

Significou-me muito. Quanto eu já me desdobrei para impressioná-la. Tanto me desdobrei que aprendi nas horas intermináveis na biblioteca adaptar-me a ler sem que sua imagem me distraísse. Adaptei-me ao alimento escasso, as tuas migalhas me faziam ter uma boa noite. A imaginação voava sem qualquer resistência do ar e até esquecia que sem resistência não pode ter vôo algum. A resistência é o palpável, o contato. É tão fácil ler-te. Quando sinto falta ler-te aplaca a minha vontade. Mas a vontade de morder a sua panturrilha, Por Deus!, nada aplaca. Deus sabe como a quero, e sabe como é fraca a sua criação. Deus fez o mundo muito grande. Há tantas esquinas. Há tantas cantinas, não é verdade. Por que eu tive de descer aquela escada justo naquele momento e ir àquela cantina justo naquela hora, e sentar justo naquele lugar e você se aproximar justo naquele momento e eu ter que ouvir o seu nome justo daquela forma? Deus e as suas coincidências. Não era para eu estar lá aquele dia, fui só buscar um livro. Estou onde estão os livros. Acho que com você ocorre o mesmo.

Escrevi no segundo mês um poema pequenino, ingênuo como a infância de qualquer coisa.
Vamos ao cinema esta noite?/ Prometo que te levo uma flor/ Te recito um Neruda/ Vamos ao cinema esta noite?/ O filme poderá ser um triste que nos faz lembrar o quanto esperamos/ Ou feliz como um gostoso sorvete/ Vamos ao cinema esta noite?/ Entraremos de mãos dadas/ E nunca voltará sozinha

Irá escrever sequer uma linha endereçada a mim e que tenha o meu nome e não um “você”? Responderá a alguma carta um tanto inconveniente que te chegar? Tendo a achar que não e que se não faz nada disso é por lucidez e não medo como sempre pensei. É o que preciso. Sejamos “realistas”. O que sei de você? Que é linda e às vezes insuportável. Que usa um sapato preto que parece um sapato de boneca. Quais são teus sonhos e planos, mesmo que ninguém viva o quer? Por que seria eu a acompanhar-te? O mundo é grande, tão grande... O que sabe de mim? Quando te vejo bem numa mesa rodeada de sorrisos vejo que o problema é realmente todo meu, que é só meu.

Escreva mais vezes durante a semana. Sim, eu sempre te leio. Tenho achado o que escreve “mais inteligente do que seria necessário”. Não me desinteressei deles por isso. Até te peço novos e enormes conceitos, daqueles que parecem ter vida própria. Peço também - e depois de ti tenho pedido mais – que escreva algo que não seja só falta. Me ocupo contigo e sou indiferente ao que não me causa admiração. Quero que tenha prazer ao ler-me. Quero que releia. Quero sempre escrever.

4.10.06

“9. Há um quadro de Klee que se chama Angelus Novus. Representa um anjo que parece querer afastar-se de algo que ele encara fixamente. Seus olhos estão escancarados, sua boca dilatada, suas asas abertas. O anjo da história deve ter esse aspecto. Seu rosto está dirigido para. o passado. Onde nós vemos uma cadeia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as dispersa a nossos pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do paraíso e prende-se em suas asas com tanta força que ele não pode mais fecha-las. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até ao céu. Essa tempestade é o que chamamos de progresso.”

Benjamin, Sobre o conceito da história


“Precisamos da história, mas não como precisam dela os ociosos que passeiam no jardim da ciência.”

Nietzsche, Vantagens e desvantagens da história para a vida

notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.