Anexo I.
Acredito nas intuições de Wittgenstein. Se eu aponto para um determinado ponto e te pergunto o que é “isto” o que me dirá? É uma pergunta aparentemente boba e a resposta que a maioria dirá será algo assim: “Me aponte que digo”. Bem, eu irei apontar e você dirá o que é. Quase nenhum adulto irá ter dúvida em distinguir uma cadeira no meio de outras coisas. Mas o que é isso que chama de cadeira? Eu apontei para algo, mas não disse a você que eu poderia ter apontado para a madeira que constitui a cadeira. Eu poderia ter apontado para a cor, para a textura, para a densidade. Mas você diz que é uma cadeira e eu nem me pergunto se você considerou as demais possibilidades porque eu também diria que é uma cadeira sem considerar o que expus acima. As demais respostas como madeira, polida ou marrom escuro também são igualmente corretas e já as excluímos sem considerá-las. Se eu apontasse para algo, que você e eu chamamos de cadeira, e perguntasse o mesmo a uma criança? Caso ela respondesse que “madeira”, eu deveria dizer que ela está errada? Normalmente dizemos “não perguntei do que é feito e sim o que é!” ou “está certo, mais presta atenção na minha pergunta”. Estranha resposta, não? A criança poderia não dizer nada justamente por não saber para que apontamos, nossa intenção ao apontar. Sua confusão seria “coisa de criança que está aprendendo as coisas”. Dizer que para determinadas situações as intenções mais condizentes pode ser um início esclarecedor. Alguém precisando alcançar a parte mais alta de um velho guarda-roupa corroído por cupins diz: “Pegue isto para mim!” Normalmente ninguém irá pegar um pedaço de madeira serrado, pregado e polido e sim uma cadeira. Crianças e estrangeiros podem até vacilar em situações como estas – pais e antropólogos estão recheados de casos semelhantes, porém isso são coisas que adultos não fazem, ainda mais se já estiverem na idade da razão. De imediato, nós adultos, eliminamos estas possibilidades de respostas ou intenções possíveis e agimos de forma coordenada com se tivéssemos feito um acordo sobre qual é a intenção adequada em dadas situações. Mas não fazemos tais acordos, isso é óbvio. Dado que a quantidade de intenções que podem surgir como concorrentes num simples ato de apontar para algo pode ser realmente grande, a operação de eliminar intenções concorrentes seria certamente demorada inviabilizando qualquer forma de ação entre indivíduos - ou uma ação social para nossos fins não tão imediatos. Se não permanece a implausível imagem de indivíduos que deliberam quais intenções terão em determinadas situações, tende a permanecer, agora, uma imagem de ações que possuem intencionalidade, mas não sujeitos conscientes de tais intenções.
Voltando ao inicio. O mais interessante de tudo é que é realmente uma cadeira o objeto que apontei. Tive a intenção de apontar para uma cadeira. A pergunta não é, creio, perguntar por que abstraímos ou ignoramos a quantidade imensa de respostas e que poderia ser muito mais abrangente dependendo do lugar que se pergunta – um carpinteiro poderia dizer paraju ou sucupira – justo em favor de “cadeira” ou outro nome. Isso depende do contexto, como dizem. Não perguntamos sobre a possibilidade de outras respostas que tal pergunta suscita porque não fazemos tal operação analítica – que é da ossada de Wittgenstein, filósofos, cientistas sociais – que certamente sempre demandaria tempo e inviabilizaria qualquer ação coordenada entre indivíduos. A idéia de ação social vem à mente. Simplesmente há uma única pergunta, ou melhor, que há uma única intenção de quem pergunta e, portanto, uma única resposta.
Ainda seguindo as intuições de Wittgenstein. Se além de perguntar o que é este objeto eu lhe pedisse para carregá-lo. Se for uma cadeira maciça de madeira nobre e não estes aglomerados, tão comuns há algum tempo, acho que pelo seu tamanho e peso não conseguiria carregar com facilidade. Você iria fazer muita força e até suar. Poderia quebrar suas unhas e arranhar as mãos se ela não tiver bem polida. O objeto que deu nome de “cadeira” passa a ser algo que você não conhece unicamente como um objeto que reconhece numa relação apartada de qualquer conhecimento que não intelectual como o que temos de buracos negros. Conhece-se ele também a partir de uma perspectiva corporal, simultânea a reflexão. Então temos duas formas de conhecimento? Um amálgama de experiências sensíveis que nos habilita a lidar e dar especificidade a cada coisa e agir de forma coordenada com outros indivíduos é um conhecimento de fundo anterior a toda a nossa intencionalidade?