9.6.06








Malevich, Kasimir: Suprematist Painting
1917; Oil on canvas, 96.5 x 65.4 cm (38 x 25 3/4 in); The Museum of Modern Art, New York

4.6.06

Trecho de uma carta ainda por ser terminada

1. Bem, de súbito lembrei, como ocorre em qualquer tipo de lembrança, que eu disse que lhe enviaria um e-mail. Talvez você não lembre assim como eu não lembrava até há pouco. Eu poderia ficar por aqui e deixar apenas a idéia da vontade que me/nos ataca de súbito, após uma lembrança ainda mais súbita; em um momento há um nada e no outro você.
2. Mas o que escrever? Nunca lhe escrevi nada e isso é para mim um problema. O que há é só a vontade de lhe escrever, até agora. É um problema porque escrever não é só encadear um monte de palavras que eu conheço segundo um monte de regras que conheço pouco. Primeiro ponto: acho que escrever é descrever. É a primeira vez que lhe escrevo e a primeira vez que tento enunciar uma premissa. Interessante, mas o que irei deduzir daqui? Enunciar premissas, axiomas e monte de coisas do gênero é muito fácil se você dá como terminado, aí, a sua reflexão e se esquece dos comprometimentos que todo ato implica. E mais do que normal dizer nossas convicções e ignorar as conseqüências. Quantas vezes escutou em sua vida “eu te amo”? Não é disto que quero falar agora. Passamos para um novo dia neste exato momento. Estou em frente de um monitor. Faz frio. Digito um e-mail para você. Você é uma pessoa que gosto. Quanto a isto não tenho dúvida e posso falar disto com segurança. Quanto ao que se segue não posso ter certeza: como irá tomar o que eu escrevo, já que não lhe conheço tanto. É tentador achar que posso escrever algo que considero agradável e lhe agradar. De imediato e sem pensar muito quase sempre resolvo esta questão pulando do subjetivo para o público. “E, como o inútil cadáver do vulgar à terra comum, baixa ao esquecimento comum o cadáver igualmente inútil da minha prosa feita a atender.” Eis o meio termo imbecil, as regras de sociabilidade, que possibilita a multidão de desconhecidos, que você não gosta, sobreviverem sem se matarem. Temos ordem e sorrisos formais. Sinceramente, não será eu que irei lhe em enviar palavras que todos compreendem e que sempre nos são estranhas. Não aceito o que sei de você, que é linda e gentil, seja você; não aceito o que tomamos sem ter dúvida, “que é linda e gentil”, seja você; Mas aceito que você, seja você. Quando você diz, com a sua voz, olhos, corpo, que está cansada e precisa dormir, compreendo de imediato. Se eu disser a um amigo, mesmo com as suas palavras, que você está cansada e precisa dormir muito provavelmente ele compreenderá. Mas o que eu compreendi, olhando com atenção para você, será o que ele entendeu pelo o que as pessoas entendem por estar cansado e com sono? Claro que não. Eu e ele, quando nos referimos a você, conhecemos a mesma pessoa, você? Não. E teus amigos ainda mais próximos do que eu, te conhecem mais? E teus pais e irmãos, te conhecem ainda mais do que seus amigos mais próximos do que eu? Que confusão, não é verdade? Há tanto que eu queria dizer ainda, mas meu falta rigor. Corro o risco de que você não me compreenda, ainda mais quando tudo o que está escrito foi escrito segundo fins que sinto mais não consigo dizer. Mas o que escrever para você?

notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.