9.6.06
4.6.06
Trecho de uma carta ainda por ser terminada
1. Bem, de súbito lembrei, como ocorre em qualquer tipo de lembrança, que eu disse que lhe enviaria um e-mail. Talvez você não lembre assim como eu não lembrava até há pouco. Eu poderia ficar por aqui e deixar apenas a idéia da vontade que me/nos ataca de súbito, após uma lembrança ainda mais súbita; em um momento há um nada e no outro você.
2. Mas o que escrever? Nunca lhe escrevi nada e isso é para mim um problema. O que há é só a vontade de lhe escrever, até agora. É um problema porque escrever não é só encadear um monte de palavras que eu conheço segundo um monte de regras que conheço pouco. Primeiro ponto: acho que escrever é descrever. É a primeira vez que lhe escrevo e a primeira vez que tento enunciar uma premissa. Interessante, mas o que irei deduzir daqui? Enunciar premissas, axiomas e monte de coisas do gênero é muito fácil se você dá como terminado, aí, a sua reflexão e se esquece dos comprometimentos que todo ato implica. E mais do que normal dizer nossas convicções e ignorar as conseqüências. Quantas vezes escutou em sua vida “eu te amo”? Não é disto que quero falar agora. Passamos para um novo dia neste exato momento. Estou em frente de um monitor. Faz frio. Digito um e-mail para você. Você é uma pessoa que gosto. Quanto a isto não tenho dúvida e posso falar disto com segurança. Quanto ao que se segue não posso ter certeza: como irá tomar o que eu escrevo, já que não lhe conheço tanto. É tentador achar que posso escrever algo que considero agradável e lhe agradar. De imediato e sem pensar muito quase sempre resolvo esta questão pulando do subjetivo para o público. “E, como o inútil cadáver do vulgar à terra comum, baixa ao esquecimento comum o cadáver igualmente inútil da minha prosa feita a atender.” Eis o meio termo imbecil, as regras de sociabilidade, que possibilita a multidão de desconhecidos, que você não gosta, sobreviverem sem se matarem. Temos ordem e sorrisos formais. Sinceramente, não será eu que irei lhe em enviar palavras que todos compreendem e que sempre nos são estranhas. Não aceito o que sei de você, que é linda e gentil, seja você; não aceito o que tomamos sem ter dúvida, “que é linda e gentil”, seja você; Mas aceito que você, seja você. Quando você diz, com a sua voz, olhos, corpo, que está cansada e precisa dormir, compreendo de imediato. Se eu disser a um amigo, mesmo com as suas palavras, que você está cansada e precisa dormir muito provavelmente ele compreenderá. Mas o que eu compreendi, olhando com atenção para você, será o que ele entendeu pelo o que as pessoas entendem por estar cansado e com sono? Claro que não. Eu e ele, quando nos referimos a você, conhecemos a mesma pessoa, você? Não. E teus amigos ainda mais próximos do que eu, te conhecem mais? E teus pais e irmãos, te conhecem ainda mais do que seus amigos mais próximos do que eu? Que confusão, não é verdade? Há tanto que eu queria dizer ainda, mas meu falta rigor. Corro o risco de que você não me compreenda, ainda mais quando tudo o que está escrito foi escrito segundo fins que sinto mais não consigo dizer. Mas o que escrever para você?
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