17.8.06

Vamos iniciar um diálogo. O Primeiro passo pode ser estabelecer um tema. Pode ser uma questão que atormenta - isso rende bastante:

“Oi!” “Oi!” “Que bom te ver! Tenho que te dizer uma coisa: uma questão que me atormenta é saber se você tem uma questão que te atormenta.” “É claro que tenho, é a mesma que te atormenta!” “Ótimo!”

Ambos possuem uma mesma questão que os atormenta e já têm consenso sobre o que é. A hipótese mais plausível é que já se conhecem de algum lugar. Também é muito importante que já tenham chegado a um consenso antes da chegada de questões nominalistas que surgem sempre junto. São formas de vida.

Entre duas pessoas que nunca se viram é mais difícil sustentar uma conversar desse tipo. Apela-se para um contexto mais amplo. Compartilham não um conhecimento de cor, de coisas mais intimas como questões que atormentam – seja lá o que possa ser isto – mais certamente regras de boa conduta com estranhos – ainda mais se forem ambos belos estranhos - e assuntos corriqueiros que as pessoas normalmente conversam com qualquer um:

“Oi! Sabe a que horas passa o próximo ônibus?” “Bem, eu não sei bem, ele sempre se atrasa a esta hora do dia, mas acho que agorinha ele passa.” “Também tenho um problema parecido com o ônibus do meu bairro. É chato esperar, não é?” “Todos os dias este ônibus se atrasa, qualquer dia eu perco a paciência” “Depender de ônibus é triste! Depois reclamam quando quebram os ônibus!” “Qualquer dia faço uma besteira!” “Sabe o que tenho vontade de fazer todos os dias? É pegar uma arma, por o motorista e o trocador para correr e depois por fogo em tudo até não sobrar nada!” “É mesmo... sempre quis fazer isso também!” “Qual o seu nome?”

Um diálogo não é das coisas mais complicadas. Se bem que se possa imaginar o diálogo entre duas pessoas que além de não se conhecerem não sabem se realmente estão a conversar. É bem provável que compartilham significados mais gerais que permitem a sobrevivência entre estranhos sem terem que entrarem na mente de ninguém. Neste caso “estranhos” talvez deva ser qualificado com “formalmente”. Suponha que alguém escreva numa calçada um equação matemática e você com um pedaço de tijolo a resolva. No outro dia há uma nova equação mais difícil e você a resolve. Quando você solucionou a primeira equação se ligou a quem a formulou. Estabeleceu-se um diálogo e a intenção de alguém em formular uma equação para uma pessoa que sabe matemática e que voltou no outro dia esperando uma nova equação de alguém que sabe formular equações matemáticas e, que de agora em diante, as formulam para você. É óbvio que vocês dialogam sem se conhecerem formalmente.
Em que momento posso dizer que conheço alguém? O critério é a quantidade de coisas que se sabe do outro ou é uma intuição, digamos de cor?

Como é ou quais são as formas de se começar uma conversa? Já conversou por olhares? Os que se olham sabem-se. Você já recebeu uma carta sem esperar, como o telefone que toca quando estamos distraídos? Taí um bom motivo para conversar.

Você estava mais bela hoje, mesmo o vermelho não sendo a melhor das cores. Sinto ter sorte de ser tão bela.

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notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.