“Dê-me um único motivo cabal para que eu deixe de pensar da
minha maneira para pensar como a sua?” Todos gaguejam. É uma pergunta simples,
porém longe de ser tola. A demonstração de uma conjectura matemática é única e
definitiva, não há argumento complementar ou ataque retórico que a imponha. Não
é o que Perelman diz? Sua demonstração é seu único argumento, e definitivo.
Alguém pode guiar toda sua vida dissimulando auto-engano e realmente acreditar
que tudo o que sabe é verdade, sem que apresente algum tipo de argumento
factual ou analítico que o mantenha – é essa exigência não pode ser reduzida há
um mero jogo de linguagem – nem os Fouca'u'lts da vida ousaram tanto. Se por ventura,
venham a adotar a posição contrária de que sabem algumas coisas, que lhe pagam
as contas e conquistam a admiração de pessoas menos “atentas” – e que não são mais
bem arquitetadas do que as coisas que arquiteturas alheias – e que na verdade
estão bem longe de qualquer coisa que não remetem apenas a essas coisas sabidas
elas mesmas, ou elas irão achar que nada substantivo justifica a posição superior
que pode virem a ocupar por conta disso, ou, cinicamente, jogam a questão para
debaixo do tapete e diz que as coisas são assim e, portanto, pouco importa – ou
podem ainda se afirmarem cínicos, e como isso se torna uma ação ao nível da consciência,
uma autoafirmação de seu próprio mau-caráter ou canalhice torna-se límpida.
Normalmente são essas pessoas que esquecem, ou nunca aprendem, que é sempre
muito mais fácil passar o arado sobre vermes.
Bem, por que eu disse essas coisas? Por acaso lembre que
vivemos em um sistema social de larga escala - entendam que digo no sentido de
que existem milhões de pessoas que compartilham tacitamente normas e valores – que
mantém suas assimetrias por meio de estratégias, dentre várias legítimas – entenda,
“sem fuder com ninguém” – que vão da constante e real ameaça física, acumulação
por restrição às benesses do capital, ao aniquilamento de qualquer traço de
autoestima. Esse é um golpe certeiro na maneira pela qual uma pessoa se vê
perante as outras pode determinar irreversivelmente suas possibilidades de
ascensão social e econômica. Quantas pessoas não escutam que estão
inerentemente fadadas à exclusão de ambientes e circunstâncias de maior prestígio
porque são feias, burras, negras, índios, mulheres, bichas, roceiros, sapatões,
pobres, nordestinos, piões, e um monte de outras características supostamente
adscritícias, como se tudo o mais que determinasse sua posição fosse exógeno ou tão
somente não existisse. O triste é ver alguém que assim foi tratado dizer o
mesmo para outros. Estas seriam cínicas ou de mau-caráter?
Uma amiga, antropóloga, das poucas pessoas que realmente
sabem um pouco de minha vida até pouco tempo atrás, pois não está atualizada do
que faço atualmente – pesquisando aqui no sul sistemas multiAgentes,
complexidade e economia pública e coisas que orbitam isso tudo, coisas que ainda pouco sei – disse que sabia
que eu achava tudo o que ela estudava uma grande bobagem – e até ela mesma acha
isso de algumas coisas que ela mesma estuda. Mas ela sempre defende que são
coisas lindas e necessárias à vida das pessoas, logo não estão no reino dos
sistemas bem formados com regras não-ambíguas de inferência, o que, aliás, é
correto, tal como as restrições feitas por Kant e Wittgenstein,
respectivamente, sobre razão e a linguagem – porém, sempre lhe procurei lhe
apresentar minhas posições de maneira clara e honestamente sem nunca dizer que
eram bobagens, até porque acho que não são. Em algumas circunstâncias ficava angustiada,
o que é próprio dela, talvez mais das mulheres do que dos homens, eu acho.
Ver-se como o personagem de sua própria vida é diferente de
se ver fazendo coisas cotidianas sem fim. Sim.
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