9.10.11

Novamente Ensaios sobre Heidegger e outros escritos filosóficos

Por algum motivo a discussão abaixo não me interessa tanto ao ponto de estudá-la como na época em que postei pela primeira vez este texto, no dia 22.9.2007. Não bebo mais com esses caras, deve ser por isso. O interessante é que quando reli em meu computador este texto, que copiei sem muitos cuidados, eu pensava que iria estudar isso para sempre - disso me lembro muito bem. Se talvez eu não tivesse lido o Rorty ainda teria continuado um pouco mais. Mas, certamente, hoje já teria abandonado. Não faz tanto tempo. Nem muita coisa mudou na minha vida. Agora, no início dessa sentença aqui, pensei rápido que havia muitas coisas associadas a este tipo de estudo que me faziam rodar em círculos, e isso não é bom se você não está bem. Foi a pior época de minha vida ou a segunda. Porém, a única documentada. Eu vinha para esse blog e escrevia quase todos os dias, e várias das vezes mais de uma vez por dia. O que também não me ajudou em nada. Também não era lido como eu esperava. Aí me afastei... Só voltei quando descobri que não precisava disso para me resolver e para ser ouvido como eu queria.

Errata: Wittgenstein sempre.

O problema de valorizar demais a linguagem, o significado, a intencionalidade, o jogo dos significantes, ou a différance, é que nos arriscamos a perder as vantagens conquistadas através da apropriação conjunta de Darwin, Nietzsche e Dewey. A partir do momento em que começamos a reificar a linguagem, começamos a ver lacunas entre o tipo de coisas que Newton e Darwin descrevem e o que Freud e Derrida descrevem, ao invés de ver apenas divisões convenientes no interior de uma caixa de ferramentas – divisões entre porções de ferramentas lingüísticas úteis para várias tarefas diferentes. Começamos a ser cativados por frases como “o inconsciente e estruturado como linguagem”, porque começamos a pensar que as linguagens precisam ter uma estrutura distintiva, completamente diversa da estrutura dos cérebros, computadores ou galáxias (ao invés de apenas concordar que alguns dos termos que usamos para descrever a linguagem podem, de fato, ser propícios para a descrição de outras coisas, tais como o inconsciente). Tomamos a irredutibilidade do intencional – a irredutibilidade das descrições de atitudes sentenciais tais como crenças e desejos a descrições do movimento de partículas elementares – como sendo de algum modo mais significativa filosoficamente do que a irredutibilidade das descrições de uma casa à descrição da madeira, ou das descrições dos animais à descrição das células.
Como argumentei no volume I, um pragmatista deve insistir que tanto a capacidade de redescrever quanto a irredutibilidade são de pouco valor. Nunca é muito difícil redescrever qualquer coisa que se queira em termos que sejam irredutíveis a – isto é, indefiníveis nos termos de – uma descrição prévia dessa coisa. Um pragmatista deve também insistir (com Goodman, Nietzsche, Putnam e Heidegger) que não há nada que seja o modo de ser das coisas nelas mesmas, sob nenhuma descrição, apartado de todo e qualquer uso no qual os seres humanos queiram inseri-las. A vantagem de insistir nesses pontos é que todo dualismo que possa surgir no decurso do caminho, toda cisão que um filósofo esteja tentando superar ou complementar, pode ser tomada como semelhante à mera diferença entre dois conjuntos de descrições da mesma porção de coisas.
“Poder ser tomada como semelhante”, nesse contexto, não está em contraste com “realmente é”. Não é como se houvesse um procedimento para descobrir quando alguém está realmente lidando com duas porções de coisas ou uma porção. Coisidade e identidade são também relativas à descrição. Nem é o caso de dizer que a linguagem realmente é apenas um liame de sinais e ruídos que os organismos usam como uma ferramenta para conseguir o que eles querem. Essa descrição nietzscheana-deweyana da linguagem não é a verdade real sobre a linguagem mais do que a descrição de Heidegger de que a linguagem é “a morada do Ser”, ou a de Derrida de que a linguagem é “o jogo das referências significantes”. Cada uma delas é somente mais uma verdade útil sobre a linguagem – mais um exemplo do que Wittgenstein chamou “lembretes para um propósito particular”.
O propósito particular atendido pelo lembrete de que a linguagem pode ser descrita em termos darwinianos é nos ajudar a abandonarmos o que, na introdução ao volume I, chamei de “representacionalismo”, bem como a distinção entre a realidade e aparência. De modo nada surpreendente, eu considero as melhores partes de Heidegger e Derrida aquelas que nos ajudam a ver a qual a aparência das coisas sob descrições não-representacionalistas, não-logocentristas - qual sua aparência quando começamos a tomar como certo que o caráter de qualquer coisa é relativo à escolha de uma descrição, e assim começamos a nos perguntar como ela pode ser útil, ao invés de como ela pode ser correta. Eu considero as piores partes de Heidegger e Derrida aquelas em que eles sugerem que finalmente apreenderam corretamente a linguagem, e a representaram acuradamente, como ela realmente é. Essa são as piores partes que deram a Paul de Man o ensejo para dizer coisas como “a literatura... é única forma de linguagem livre da falácia da expressão imedita”, e que permitiram a Jonathan Culler insistir que uma teoria a linguagem deve responder a questões sobre ”a natureza essencial da linguagem”. Essas são também as partes que induziram toda uma geração de teóricos da litteratura americanos a falar sobre a “descoberta do caráter não-referencial da linguagem”, como se Saussure, Wittgenstein, Derrida ou qualquer um tivesse mostrado que referência e representação eram ilusões(enquanto opostas ao fato de serem noções que, em certos contextos, podem proveitosamente ser dispensadas).
Se tratarmos isso simplesmente como um lembrete, ao contrário de como uma metafísica, então eu penso que o que se segue é uma boa forma de se agrupar do mesmo lado o resultado tanto da tradição Quine-Putnam-Davidson na filosofia analítica da linguagem quanto da tradição Heidegger-Derrida de pensamento pós-nietzscheano. Considere sentenças como os fios que ligam sinais e ruídos emitidos pelos organismos, fios capazes de ser associados aos fios que nós mesmos expressamos (através do processo que chamamos de “tradução”). Considere crenças desejos e intenções – atitudes sentenciais em geral – como entidades que são postuladas para ajudar a predizer o comportamento desses organismos. Agora pense nesses organismos como gradualmente evoluindo a partir do resultado da produção de fios cada vez mais longos e complicados, que os habilitam a fazer coisas que antes eram incapazes de fazer com a ajuda de fios mais curtos e simples. Agora pense em nós como exemplos de tais organismos altamente evoluídos, e em nossas esperanças mais levadas e temores mais profundos como viabilizados por, entre outras coisas, nossas capacidade de produzir os fios peculiares que fazemos. Então, pense nas quatro sentenças que precedem a esta como mais alguns exemplos de tais fios. Em penúltimo lugar, pense nas cinco sentenças que precedem a esta como um esboço da morada do Ser redesenhada, um novo domicílio para nós, pastores do Ser. Finalmente, pense nas últimas seis sentenças como ainda outro exemplo do jogo dos significantes, mais um exemplo do modo como ainda outro exemplo do jogo dos significantes, mais um exemplo do modo pelo qual o significado é infinitamente alterável através da recontextualização dos signos.
Essas últimas sete sentenças são uma tentativa de abarcar animais, Dasein e différance em uma única visão: uma tentativa de mostrar como se pode modular do elemento darwiniano, através do heideggeriano, até o derrideano sem muito esforço. Elas são também uma tentativa de mostrar que o importante nessas duas tradições, a que conflui para Davidson e que flui para Derrida, não é o que dizem, mas o que elas não dizem, o que elas evitam mais do que elas propõem. Observe que nenhuma dessas tradições menciona o sujeito cognoscente ou o objeto do conhecimento. Nenhuma delas fala sobre uma quase-coisa chamada linguagem, que funciona como intermediária entre sujeito e objeto. Nenhuma delas nos dá espaço para a formulação de problemas sobre a natureza ou a possibilidade da representação ou intencionalidade. Nenhuma delas, em resumo, nos confina ao espaço no qual a tradição representacionalista, cartesiano-kantiana, sujeito-objeto, no colocou.
Isto é tudo que essa tradições têm de bom? Todos esses pensadores eminentes estão simplesmente mostrando um caminho para a mosca sair de sua empoeirada garrafa, para sairmos de uma dilapidada morada do Ser? Sinto-me fortemente tentado a dizer: “Claro. O que mais você pensava que iria conseguir da filosofia contemporânea?” Mas isso pode soar como uma redução. E assim seria se eu estivesse negando que as obras desses homens são indefinidamente recontextualizáveis, e podem vir a ser úteis em uma variedade sem fim de contextos hoje imprevisíveis. Mas não é redução dizer: não subestimem os efeitos que ficar se debatendo no interior dessa garrafa em particular pode ter sobre a mosca. Não subestimem o que pode nos acontecer, o que nós podemos nos tornar ao sair dela. Não subestimem a utilidade do escrito meramente terapêutico, meramente “desconstrutivo”.
Ninguém pode estabelecer nenhum limite a priori para o que a mudança na opinião filosófica pode produzir, não mais do que para o que a mudança na opinião científica ou política pode fazer. Pensar que alguém pode conhecer tais limites é tão ruim quanto pensar que, aprendemos que a tradição ontoteológica exauriu suas possibilidades, nós precisamos nos apressar para reformular todas as coisas, tornar todas as coisas novas. Mudanças nas perspectivas filosóficas não são nem intrinsecamente centrais, nem intrinsecamente marginais – seus resultados tão imprevisíveis quanto as mudanças em qualquer outra área da cultura.

Ensaios sobre Heidegger e outros: escritos filosóficos II, Richard Rorty

Nenhum comentário:

notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.