30.9.08

Eu poderia ter sido mais tolo com você.... e você mais tola comigo.

Teve uma pessoa que chegou ao meu blog por esta entrada no google:
"Sim, sim, é de mister ousar tudo para com as mulheres."
Não me lembrava mais deste texto. Esse texto foi postado em 16.10.2006.

Porém, lembro exatamente por que o postei. Foi pelo o que eu li no dia 10.10.2006.
Postei justamente, apesar de tudo, pela idéia de ousar.
É... o passado é o que me habita.


De l’amour des femmes pour les sots
QUEDA QUE AS MULHERES
TÊM PARA OS TOLOS


Victor Henaux
Tradução de Machado de Assis



Advertencia

Este livro é curto, e talvez devera sel-o mais.
Desejo que elle agrade, como me sahe das mãos; mas é com pezar que me vanglorio por esta obra.
Fallar do amor das mulheres pelos tolos, não é arriscar ter por inimigas a maioria de um e outro sexo?
Diz-se que a materia é rica e fecunda; eu acrescento que ella tem sido tratada por muitos. Se tenho, pois, a pretenção de ser breve, não tenho a de ser original.
Contento-me em repetir o que se disse antes de mim; minhas paginas conscienciosas são um resumo de muitos e valiosos escriptos. Propriamente fallando, é uma comparação scientifica, e eu obteria a mais doce recompensa de meus esforços, como dizem os eruditos, se inspirasse aos leitores a idéa de aprofundar um tão importante exemplo.
Quanto á imparcialidade que presidio a redacção deste trabalho, creio que ninguém o porá em dúvida.
Exalto os tolos sem rancor, e se critico os homens de espírito, é com um desinteresse, cuja extenção facilmente se comprehenderá.



I

Il est des noeuds secrets, il est des sympathies.

Passa em julgado que as mulheres lêem de cadeira em materia de fazendas, perolas e rendas, e que, desde que adoptam uma fita, deve-se crer que a essa escolha presidiram motivos plausiveis.
Partindo deste principio, entraram os philosophos a indagar se ellas mantinham o mesmo cuidado na escolha de um amante, ou de um marido.
Muitos duvidaram.
Alguns emitiram um axioma, que o que determinava as mulheres, neste ponto, não era, nem a razão, nem o amor, nem mesmo o capricho; que se um homem lhes agradava, era por ter este apresentado primeiro que os outros, e que sendo este substituido por outro, não tinha esse outro senão o merito de ter chegado antes do terceiro.
Permaneceo por muito tempo esse systema irreverente.
Hoje, graças a Deus, a verdade se descobrio: veio a saber-se que as mulheres escolhem em pleno conhecimento do que fazem. Comparam, examinam, pesam, e só se decidem por um, depois de verificar nelle a preciosa qualidade que procuram.
Essa qualidade é... a toleima!

II

Desde a mais remota antiguidade, sempre as mulheres tiveram a sua queda para os tolos.
Alcibiades, Socrates e Platão foram sacrificados por ellas aos presumidos do tempo. Turenne, la Rochefoucauld, Racine e Molière, foram trahidos por suas amantes, que se entregaram a basbaques notorios. No seculo passado todas as boas fortunas foram reservadas aos pequenos abbades. Estribados nesses illustres exemplos, as nossas contemporaneas continuam a idolatrar os descendentes dos idolos das suas avós.
Não é nosso fim censurar uma tendencia, que parece invencivel; o que queremos é motival-a.
Por menos observador e menos experiente que seja, qualquer pessoa reconhece que a toleima é quasi sempre um penhor de triumpho. Desgraçadamente ninguém póde por sua propria vontade gozar das vantagens da toleima. A toleima é mais do que uma superioridade ordinaria: é um dom, é uma graça, é um sello divino.
"O tolo não se faz, nasce feito."
Todavia, como o espirito e como o genio, a toleima natural fortifica-se e estende-se pelo uso que se faz della. É estaccionaria no pobre diabo que raramente póde applical-a; mas toma proporções desmarcadas nos homens a quem a fortuna, ou a posição social cedo leva á pratica do mundo. Este concurso da toleima innacta e da toleima adquirida é que produz a mais temivel especie de tolos, os tolos que o academico Trublet chamou "tolos completos, tolos integraes, tolos no apogêo da toleima".
O tolo é abençoado do céo pelo facto de ser tolo, e é pelo facto de ser tolo, que lhe vem a certeza de que qualquer carreira que tome, hade chegar felizmente ao termo. Nunca solicita empregos, aceita-os em virtude do direito que lhe é proprio: Nominor leo. Ignora o que é ser corrido ou desdenhado; onde quer que chegue, é festejado como um cónviva que se espera.
O que oppor-lhe como obstaculo? É tão energico no choque, tão igual nos esforços e tão seguro no resultado! É a rocha despegada, que rola, corre, salta e avança caminho por si, precipitada pela sua propria massa.
Sorri-lhe a fortuna particularmente ao pé das mulheres. Mulher alguma resistio nunca a um tolo. Nenhum homem de espirito teve ainda impunemente um parvo como rival. Porque?... Ha necessidade de perguntar porque? Em questão de amor, o parallelo a estabelecer entre o tolo e o homem de siso, não é para confusão do ultimo?

III

Em materia de amor, deixa-se o homem de espirito embalar por estranhas ilusões. As mulheres são para elle entes de mais elevada natureza que a sua, ou pelo menos elle empresta-lhes as proprias idéas, suppõe-lhes um coração um coração como o seu, imagina-as capazes, como elle, de generosidade, nobreza e grandeza. Imagina que para agradar-lhes é preciso ter qualidades ácima do vulgar. Naturalmente timido, exagera mais ao pé dellas a sua insufficiencia; o sentimento de que falta muito, o torna desconfiado, indeciso, atormentado. Respeitoso até a timidez, não ousa exprimir o seu amor em palavras; exhala-o por meio de uma não interrompida serie de meigos cuidados, ternos respeitos e attenções delicadas. Como nada quer á custa de uma indignidade, não se conserva continuamente ao pé d’aquella que ama, não a persegue, não a fatiga com a sua presença. Para interessal-a em suas magoas, não toma ares sombrios e tristes; pelo contrario, esforça-se por ser sempre bom, affectuoso e alegre junto della. Quando se retira da sua presença, é que mostra o que soffre, e derrama as suas lagrimas em segredo.
O tolo, porém, não tem desses escrupulos. A intrepida opinião que elle tem de si proprio, o reveste de sangue frio e segurança.
Satisfeito de si, nada lhe paralysa a audacia. Mostra a todos que ama, e solicita com instancia provas de amor. Para fazer-se notar d’aquela que ama, importuna-a, acompanha-a nas ruas, vigia-a nas igrejas e espia-a nos espetaculos. Arma-lhe laços grosseiros. Á mesa, offerece-lhe uma fructa para comerem ambos, ou passa-lhe mysteriosamente com muito geito um bilhete de amores. Aperta-lhe a mão a dançar e saca-lhe o ramalhete de flôres no fim do baile. N’uma noite de partida, diz-lhe dez vezes ao ouvido: "Como é bela!" porquanto revela-lhe o instincto, que pela adulação é que se alcançam as mulheres, bem como se-as perde, tal qual como acontece com os reis. De resto, como nos tolos tudo é superficial e exterior, não é o amor um acontecimento que lhes mude a vida: continua como antes a dissipal-a nos jogos, nos salões e nos passeios.

IV

O amor, disse alguem, é uma jornada, cujo ponto de partida é o sentimento, e cujo termo inevitavel a sensação. Se é isto verdade, o ha a fazer, é esmbelecer a estrada e chegar o mais tarde possivel ao fim. Ora, quem melhor que o homem de espirito sabe perolar á beira do caminho, parar e colher flôres, sentar-se às sombras frescas, recitar aventuras e procurar desvios e delongas? Um caracol de cabellos mal arranjado, um comprimento menos apressado que de costume, um som de voz discordante, uma palavra mal escolhida, tudo lhe é pretexto para demorar os passos e prolongar os prazeres da viagem. Mas quantas mulheres apreciam esses castos manejos, e comprehendem o encanto dessas paradas á borda de uma veia limpida que reflecte o céo? Ellas querem amor, qualquer que seja a sua natureza, e o que o tolo lhes offerece é-lhes bastante, por mais insipido que seja.

V

O homem de espirito quando chega a fazer-se amar, não goza de uma felicidade completa. Atemorisado com a ventura, trata antes de saber porque é feliz. Pergunta porque e como é amado; se, para uma amante, é elle uma necessidade, ou um passatempo; se ella cedeu a um amor invencivel; enfim, se é elle amado por si mesmo. Crêa elle proprio e com engenho as suas magoas e cuidados; é como o Sibarita que, deitado em um leito de flôres, sentia-se incomodado pela dobra de uma folha de rosa. N’um olhar, n’uma palavra, n’um gesto, acha elle mil nuanças imperceptiveis, desde que se trata de interpretal-as contra si. Esquece os encomios q eu levemente o tocam, para lembrar-se sómente de uma observação feita ao menor de seus defeitos e que bastante o torturas. Mas, em compensação, desses tormentos, ha no seu amor tanto encanto e delícias! Como estuda, como estrahe, como saborêa as volupias mais fugitivas até a ultima essencia! Como a sua sensibilidade especial sabe descobrir o encanto das criancices frivolas, dos invisiveis attractivos, dos nadas adoraveis!
O tolo é um amante sempre contente e tranquilo. Tem tão robusta confiança nos seus predicados, que antes de ter provas, já mostra a certeza de ser amado. E assim deve ser. Em sua opinião faz uma grande honra á mulher a quem dedica os seus effluvios. Não lhe deve felicidade; elle é que lh’a dá e como tudo o que leva á exaggerar o beneficio, não lhe vem á idéa que se possa ter para com elle ingratidões. Assim, no meio das alegrias do amor, saborea ainda a embriaguez da fatuidade. Mas como, em definitivo, é elle proprio o objecto de seu culto, depressa o tolo se aborrece, e como o amor para elle não é mais que um entretenimento que passa, os ultimos favores, longe de o engrandecerem mais, desligam-n’o pela saciedade.

VI

O homem de espirito vê no amor um grande e serio negocio, occupa-se delle como do mais grave interesse de sua vida, sem distracção, nem reserva. Póde perder nelle algumas das suas qualidades viris, mas é para crescer em abnegação, em dedicação, em bondade. Supporta tudo a alguns dos seus votos, quando previne alguns dos seus desejos, longe de ensoberbecer-se, agradece com uma effusão mesclada de sorpeza. Perdoa-lhe generosamente todos os males que lhe causa, porque, muito orgulhoso para enraivecer-se ou lastimar-se, não sabe provocar, nem a piedade que enternece, nem o medo que lhe faz calar. Oh! que inferno, se a má ventura lhe depara uma mulher bella e má, uma namoradeira fria de sentidos, ou uma moça de rabugice precóce!
Soffre então vivamente com a perfidia da mulher amada, mas desculpa-a pela fragilidade do sexo. A sua indulgencia póde então conduzil-o á degradação. Elle segue a olhos fechados o declive que o arrasta ao abysmo, sem que a queixa, a ambição, a fortuna possam retel-o.
O nescio escapa a estes perigos. Como não é elle quem ama, é elle quem domina. Para vencer uma mulher finge, por alguns momentos o excesso de desespero e da paixão; mas isso não passa de um meio de guerra, tatica e cerco para enganar e seduzir o inimigo. Logo depois recobra elle a tyrannia e não abdica mais. Para entreter-se nisso, tem o tolo o seu methodo, as suas regras, a sua linha de conducta. É indiscreto por principio, porquanto divulgando os favores que recebe, compromette a que lhe concede e ao mesmo tempo afasta as rivalidades nascentes. É susceptivel pela razão, cioso pelo calculo, afim de promover esses proveitosos amúos, que lhe servem, a seu grado, para conduzir a uma ruptura definitiva, ou para exigir um novo sacrificio. Mostra a sua indifferença, indicando pouca confiança nas provas de sympatia que lhe dão. N’um baile, prohibindo á sua amante de dançar, não faz caso della de proposito. Afflige-a com aparencias de infidelidade, falta á hora marcada para se encontrarem, ou depois de se ter feito esperar, vem dando desculpas equivocas de sua demora. Habil em semear a inquietação e o susto, faz-se obedecer á força de ser, e acaba por inspirar uma affeição sincera á força de promovel-a.

VII

O homem de espirito, assustado com o vacuo immenso, que deixa no coração uma affeição que se perde, só rompe o laço que o prende á causa de dilacerações interiores.
Como bem se disse, sendo preciso um dia para conseguir, é preciso mil para se reconquistar.
Mesmo no momento em que volta a ser livre: quantas vezes um sorriso, um meneio de cabeça, uma maneira de puxar o vestido, ou de inclinar o chapellinho de sol, não o faz recahir no seu antigo captiveiro!
De resto, a mulher, a quem elle tiver revelado o segredo do seu coração, ficará sempre para elle como sêr aparte. Não a esquece nunca.
Morta, ou separado, nutre por aquella que a perdeu longas saudades. Perseguido pela lembrança que della conserva, descobre muitas vezes que as outras mulheres por quem se apaixona só têem o merito de se parecerem com ella. Dá-se elle então a comparações que o desvairam, que o irritam, que o põem fóra de si, exigindo no seu trajar, no seu andar e até no seu fallar, alguma cousa que lhe recorde o seu implacavel ideal.
E se é elle o abandonado, que de torturas que soffre!
Viver sem ser amado parece-lhe intoleravel. Nada pode consolal-o ou distrahil-o.
No caso de tornar a ver os sitios que foram testemunha da sua felicidade, evoca á sua memoria mil circunstancias perseverantes e crueis. Alli está a cerca cheirosa, cujos espinhos rasgaram o véo da infiel; aqui, o rio que a medrosa só ousava atravessar amparada pela sua mão; além está a alameda, cuja arêa fina parece ter ainda o molde de seus ligeiros passos. Contempla na janella as longas e alvas cortinas, no peitoril os arbustos em flôr, na relva a mesa, o banco, as cadeiras em que outr’ora se sentaram.
É possível que ella tenha mudado tão repente? Pois não foi ainda hontem que de volta de um passeio ao bosque, lhe enxugou o suor da testa, e que se lhe prendia em doce e extranho amplexo?... Hoje, nem mais doçuras, nem mais apertos de mão, nem mais dessas horas ebrias em que todo o passado ficava esquecido! Elle está só, entregue a si mesmo, sem força, sem alvo: é o delyrio do desespero.
O tolo está ácima dessas miserias. Não o assusta um futuro prenhe de qualquer inquietação afflictiva. Sempre acobertado pela bandeira de inconstancia, desfaz-so de uma amante sem luta, nem remorso; utilisa uma traição para voar a novas aventuras. Para elle nada ha de terrivel em uma separação, porque nunca suppõe que se possa collocar a vida n’uma vida alheia, e que fazendo-se uma habito dessa communidade de existencia, faz-se pouco novamente soffrer, quando ella tiver de quebrar-se.
Da mulher, que deixa de amar, elle só conserva o nome, como o veterano conserva o nome de uma batalha para glorificar-se, ajuntando-o numero de suas campanhas.

VIII

Ha uma época em que custa-se muito a amar. Tendo visto e estudado um pouco a mulher, adquire-se uma certa dureza que permite approximar-se sem perigo das mais bellas e seductoras. Confessa-se sem rebuço a admiração que ellas inspiram, mas é uma admiração de artista, um enthusiasmo sem ternura. Além disso ganha-se uma penetração cruel para ver, atravez de todos os artificios de casquilha, o que vale a submissão que ellas ostentam, a doçura que affectam, a ignorancia que fingem. E prenda-se um homem nessas condições!
De ordinario é trinta a trinta e cinco, annos, que o coração do homem de espirito fecha-se assim á sympatia e começa a petrificar-se. É entretanto possivel que nelle tornem a apparecer os fogos da mocidade, e que elle venha a sentir um amor tão puro, tão fervente, tão ingenuo, como nos frescos annos da adolescencia; longe de ter perdido as perturbações, as aprehensões, os transportes da alma amorosa, sente-os elle de novo com emoção mais profunda e dá-lhes um preço tanto mais elevado, quanto elle está certo de não os ver renascer.
Oh! então lastima-se o pobre insensato! Eil-o obrigado a ajoelhar-se aos pés de uma mulher para quem é nada o merito de caminhar pouco a pouco atraz de sua sombra, de fazer exercicio em torno aos seus vestidos, de se extasiar diante de seus bordados, de lisonjear os seus enfeites. Ai, triste! Esse longos supplicios o revolta, e, Pygmalião desesperado, afasta-se de Galatéa, cujo amor se não póde reanimar.
Esses symptomas de idade são desconhecidos ao tolo, porquanto cada dia que passa não lhe faz achar no amor um bem mais caro, ou mais dificil a conquistar. Não tendo sido, nem melhorado, nem endurecido pelos revezes da vida, continuando a ver mulheres com o mesmo olhar, exprime-lhes os seus amores com as mesmas lagrimas e os mesmos suspiros que lhe reserva para pintar os antigos de paixão, vem facilmente a persuadir-se que é amado. Longe de fugir persevera e – triumpha.

IX

O homem de espirito é o menos habil para escrever a uma mulher.
Quando se arrisca a escrever uma carta, sente difficuldades incriveis. Desprezando o vasconço da galanteria, não sabe como se hade fazer entender. Quer ser reservado e parece frio; quer dizer o que espera e indica receio; confessa que nada tem para agradar, e é apanhado pela palavra. Commette o crime de não ser commum ou vulgar. As suas cartas sahem do coração e não da cabeça; têem o estylo simples, claro e limpido, contendo apenas alguns detalhes tocantes. Mas é exactamente o que faz com que ellas não sejam lidas, nem comprehendidas. São cartas decentes, quando as pedem estupidas.
O tolo é fortíssimo em correspondencia amorosa e tem consciencia disso. Longe de recuar diante da remessa de uma carta, é muitas vezes por ahi que elle começa. Tem uma collecção de cartas promptas para todos os gráos de paixão. Allega nellas em linguagem bruta o ardor de sua chama; a cada palavra repete: meu anjo, eu vos adoro. As suas formulas são emphaticas e chatas; nada que indique uma personalidade. Não faz suspeitar excentricidade ou poesia; é quanto basta; é mediocre e ridiculo, tanto melhor. Effectivamente o extranho que ler as suas missivas, nada tem a dizer; na mocidade o pai da menina escrevia assim; a propria menina não esperava outra cousa. Todos estão satisfeitos, até amigos. Que querem mais?

X

Enfim, o homem de espirito, em vista do que é, inspira ás mulheres uma secreta repulsa. Ellas se admiram com o ver tímido, acanham-se com o ver delicado, humilham-se com vel-o distincto.
Por muito que elle faça para descer até ellas, nunca consegue fazel-as perder o acanhamento; choca-as incommoda-as, e esse acanhamento, de que elle é causa, torna frias as conversações mais indifferentes, afasta a familiaridade e assusta a inclinação prestes a nascer.
Mas o tolo não atrapalha, nem offusca as mulheres. Desde a primeira entrevista, elle as anima e fraternisa-se com ellas. Eleva-se sem acanhamento nas conversas mais insulsas, palra e requebra-se com ellas. Comprehende-as e ellas o comprehendem. Longe de se sentirem deslocadas na sua companhia, ellas a procuram, porque brilham nella. Podem diante delle absorver todos os assumptos e conversar sobre tudo, innocentemente, sem consequencia. Na persuasão de que elle não pensa melhor, nem contrario a ellas, auxiliam o triste, quando a idéa lhe falta, suprem-lhe a indigencia. Como se fazem valer por elle, é justo que lhes paguem, e por isso consentem em ouvil-o em tudo. Entregam-lhe assim os seus ouvidos, que é o caminho do seu coração, e um bello dia admiram-se de ter encontrado no amigo complacente um senhor imperioso!

XI

Comprehende-se, por este curto esboço, como e quanto differem os tolos e os homens de espirito nos seus meios de seducção. A conclusão final é, que os tolos triumpham, e os homens de espirito falham, resultado importante e deploravel, nesta materia sobre tudo.

XII

Depois de ter indagado as causas da felicidade dos tolos, e da desgraça dos homens de espirito: perderemos tempo precioso em accusar as mulheres? Não hesitamos em deitar as culpas sobre os homens de espirito, como fez o profundo Champcenets.
Porque não estudam os tolos, diz-lhes este autor, para conseguir imital-os? Hade custar-vos muito fazer um tal papel: mas ha proveito sem dezar? E depois, quando assim sois a isso obrigado, visto como não vos dão outro meio de solução, querer subtrahir o bello sexo ao imperio dos tolos, descortinando-lhe a perversidade do seu gosto, é cousa que ninguém deve pensar, é uma loucura; fôra o mesmo que querer mudar a natureza, ou contrariar a fatalidade.
Por quanto, ficai sabendo, continua Champcenets, que as mulheres não são as senhoras de si proprias; que nellas tudo é instincto e temperamento, e que portanto ellas não podem ser culpadas de suas preferencias. Só respondemos pelo que praticamos com intenção e discernimento. Ora, qual dellas póde dizer que predilecção a impele, que paixão a obriga, que sentimento a faz ingrata, ou que vingança lhe dicta as malignidades? Debalde procurareis nellas tão cruel prodigio; nenhuma é cumplice do mal que causa; a este respeito, o seu estouvamento attesta-lhes a candura.
Porque vos obstinaes em pedir-lhes o que a Providencia não lhes deu? Ellas se apresentam bellas, appetitosas e cégas: não vos basta isto? Querel-as com juizo, penetrantes e sensiveis, é não conhecel-as.
Procurai as mulheres nas mulheres, admirai-lhes a figura elegante e flexivel, affagai-lhes os cabelos, beijai-lhes as mãos mimosas; mas tomai como brinquedo o seu desdem, aceitai os seus ultrages sem azedume, e ás suas coleras mostrai indifferença. Para conquistar esses entes frageis e ligeiros, é preciso atordoal-os pelo rumor dos vossos louvores, pelo fasto do vosso vestuario, pela publicidade de vossas homenagens.

XIII

Sim, sim, é de mister ousar tudo para com as mulheres.


Fim

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notas de um dia de cão. esse é o nome do livro. um livro a duas mãos.